Em branco e preto e com traços bastante expressivos e simples, Persépolis é uma das Histórias em quadrinhos mais importantes das últimas décadas. Conta as memórias de Marjane Satrapi – ou Marji – que tinha apenas 10 anos quando ocorreu a revolução iraniana de 1979 que derrubou o Xá Mohamed Reza Pahlevi.
Nesta revolução, houve uma participação popular muito grande, com a formação dos shoras (conselhos populares similares aos sovietes da Revolução Russa), dos quais faziam parte setores expressivos do movimento operário, como os petroleiros. O Xá era uma marionete do imperialismo norte-americano e as pessoas lutavam para, com a queda de Pahlevi, conquistar maior democracia.
Os pais de Marji eram parte de uma classe média intelectualizada socialista. Todos os dias, iam às manifestações contrárias ao regime. No início, Marji não entendia o motivo que levava seus pais a fazerem isto. Tampouco entendia por que tinha vergonha de andar no Cadillac de seu pai.
No entanto, pouco a pouco, entre conversas imaginárias com Deus e Karl Marx, entre participações escondidas em manifestações e a leitura de livros e quadrinhos, acabou compreendendo que a razão de sua vergonha e da revolução era a mesma: “a diferença entre as classes sociais”.
Como em todo o trabalho de Marjane, suas memórias familiares se fundem com a história e a situação política do Irã. Conforme escrito na introdução dos quadrinhos, Marjane herdou toda a história da região da antiga Pérsia e foi a partir desse material que produziu o “primeiro álbum de história em quadrinhos iraniano”.
A revolução foi vitoriosa. Marjane conta que no dia em que o Xá foi embora, “o país fez a maior festa de sua história”. Comemoravam a conquista efetiva de sua liberdade. Comemoravam o retorno dos milhares de presos políticos às suas casas.
Pela primeira vez em 30 anos, a avó de Marji pôde, enfim, reunir seus seis filhos. Entre eles, estava o tio Anouche, parte da esquerda socialista iraniana que foi massacrada pela direção teocrática depois da revolução.
A queda de Pahlevi significou uma terrível derrota para os Estados Unidos. O imperialismo buscava o controle dos ricos poços de petróleo do Irã e, evidentemente, não abandonaria uma de suas peças-chave na região. Armaram o Iraque para que declarasse guerra ao Irã. Como disse o pai de Marji, “a verdade é que, enquanto existir petróleo no Oriente Médio, não vamos saber o que é paz...”.
A hierarquia religiosa aproveitou a guerra contra o Iraque para desmobilizar as massas, atacando os comitês operários, perseguindo o movimento sindical independente e massacrando a esquerda socialista. Com violento esforço reacionário, acabaram com a revolução estabelecendo um Estado burguês ditatorial de ideologia religiosa.
Marji mostra toda a sua alegria e exaltação na queda do Xá e sua confusão com a ascensão dos cléricos. Após ter estudado numa escola laica e bilíngüe, Marji foi obrigada a freqüentar um colégio religioso, a usar o véu e a se submeter a uma série de novas proibições particulares às mulheres. Bastante influenciada pelos questionamentos feministas de sua avó e pela experiência sofrida com o choque cultural dos tempos nos quais viveu na Áustria, Marjane não entendia o motivo daquela peça obrigatória de vestuário.
Tampouco via sentido nas desigualdades cada vez mais abismais entre mulheres e homens de seu país e entre a hierarquia clerical e os trabalhadores e jovens. Estes últimos eram mandados em atacado à guerra em troca de uma pretensa garantia de entrada no paraíso. Em seus oito anos, a guerra entre Irã e Iraque produziu mais de um milhão de mortos.
Em 2007, os quadrinhos foram transformados em animação. No dia de sua exibição oficial, o governo iraniano divulgou uma nota de repúdio condenando a forma como o país é representado na obra de Marjane Satrapi.
Transitando entre o humor e o drama, ao contrário das acusações do governo iraniano, Persépolis não condena o Irã, tampouco idealiza o Ocidente. Em tom confessional, os quadrinhos projetam o aspecto humano das convulsões políticas e sociais que resultaram da deposição revolucionária de uma monarquia ditatorial pró-imperialista, da disputa dos destinos da revolução entre os cléricos e a esquerda socialista, e a formação de uma república islâmica capitalista e repressiva. Um retrato poético, ousado e único.
Nadia Khalil, da redação do jornal Al Baian
Fonte: Portal do PSTU
3 comentários:
Assisti a animação no ano passado. Achei que a parte que conta a infância de Marji é extremamente rica, principalmente em detalhes históricos sobre o Irã.
Mas acontece que, a partir do momento em que ela deixa o Irã para viver na Europa a história muda muito de tom. Passa a representar muito mais a rotina individual da personagem (autora), ainda que com um traço interessante que registra o choque cultural entre oriente e ocidente, do que a primeira parte, que parece fazer um esforço por demonstrar que cada trajetória pessoal está fadada a se envolver com a História (com "H" maísculo).
De qualquer maneira, é um filme maravilhoso. O texto também é bom.
Eli, saiu o Livro pela Cia Das Letras... Meio Caro... mas se tiver vale a pena (Y)
Parece interessante. E o traço lembra a Mafalda.
É bom ver esse tipo de texto no Portal do PSTU.
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