Pérola

"Nós entendemos que Israel tem o direito de se defender pois nesses últimos anos o Hamas lançou diversos foguetes na região"
Barack Obama

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Dor


Quisera esta tarde divina de outubro
passear pela beira longínqua do mar;
Que a areia de ouro, e as águas verdes,
e os céus puros me vissem passar.

Ser alta, soberba, perfeita, quisera,
como uma romana, para concordar
com as grandes ondas, e as rocas mortas
e as largas praias que apertem o mar.

Com o passo lento, e os olhos frios
e a boca muda, deixar-me levar;
ver como se rompem as ondas azuis,
contra os granitos e não pestanejar;
ver como as aves de rapina se comem
os peixes pequenos e não despertar;
pensar que puderam as frágeis barcas
Afundar-se nas águas e não suspirar;
Ver que se adianta a garganta ao ar,
O homem mais belo não desejar amar…

Perder o olhar, distraidamente,
perde-lo e que nunca o volte a encontrar:
E figura erguida entre céu e praia
sentir-me o esquecimento perene do mar.

Alfonsina Storni

sexta-feira, 20 de fevereiro de 2009

Paulo da Portela e o samba nos trilhos

• Em 31 de janeiro de 1949, o Rio de Janeiro parou. A poucas semanas do carnaval, a cidade perdia Paulo da Portela, com 47 anos, vítima de um ataque cardíaco. O comércio do bairro de Madureira fechou em luto e cerca de 15 mil pessoas foram se despedir do poeta, caminhando de sua casa, no subúrbio de Oswaldo Cruz, até o cemitério de Irajá.

Paulo Benjamin de Oliveira era então um dos mais conhecidos compositores, senão o principal. O número de pessoas em seu enterro só foi menor que em 1936, ao ser eleito “cidadão momo”. O título fez 100 mil pessoas se reunirem no centro do Rio. Um número impressionante, ainda mais para uma cidade que tinha 1,5 milhão de habitantes. A multidão fez o pesquisador Sérgio Cabral enxergar em Paulo “um dos maiores líderes populares que o Rio de Janeiro já conheceu”.

Paulo foi testemunha e personagem de grandes transformações no samba em anos que moldaram a folia. Ele recebeu seu sobrenome antes da escola. Ele e seus companheiros passaram a se reunir sob uma árvore, no número 461 da Estrada da Portela. A música atraiu e a roda virou bloco. Paulo precisava de um sobrenome. Virou Paulo da Portela.

Do bloco até o GRES Portela, foi pouco mais de uma década. Nesses anos, se reuniram em todo tipo de local, até dentro de um vagão de trem.

Nos trilhos
O trem partia da Central do Brasil às 18h04 para o subúrbio. O grupo estava sempre lá, no mesmo vagão. Disciplina que não combinava com a imagem do sambista que se tinha.

O negro alto, esguio e bonito comportava-se impecavelmente e era chamado de “professor”. Contemporâneo de Monarco, Cartola e Heitor dos Prazeres, Paulo acreditava na profissionalização de sambistas. Vestia terno, gravata e chapéu, no que era seguido por seus companheiros.

Wilson Moreira, numa entrevista, recordou de quando chegou à Portela. “Mestre Natal me ensinou que eu sempre fizesse o samba com elegância, como Paulo fazia. Esse é o seu maior legado”, afirma.

O pesquisador José Ramos Tinhorão, em depoimento ao documentário Paulo da Portela – Seu nome não caiu no esquecimento, destaca como era o carnaval de rua.

“Como a escola representava a sua comunidade, havia muito bairrismo. Ficaram famosas as brigas de integrantes na Praça Onze. E o Paulo da Portela era um diplomata. Primeiro, ele era muito maneiroso, se vestia bem, era bem falante. Ele não tinha esse negócio. Aparecia na Mangueira, era bem recebido. Outro ficaria com receio de ir”, afirma.

De origem proletária e de baixa escolaridade, Paulo era bem articulado e fazia discursos de improviso. Tornou-se uma espécie de porta-voz, sendo escutado por jornalistas, políticos e governantes.

Combatia o preconceito contra o povo negro. Sergio Cabral lembra que “nos primeiros desfiles, a polícia ficava na Praça Onze, impedindo que os foliões que terminavam de desfilar seguissem para o Centro. Eles eram obrigados a voltar, ou para o subúrbio ou para as favelas próximas”.

Paulo conseguiu ser escutado em momentos críticos. Como em 1945, após uma morte causada por briga num desfile. Aos jornais, ele disparou: “Os ladrões, os pilantras, os verdadeiros assassinos não estão na escola de samba. Estão na Avenida Rio Branco, de terno, colarinho e gravata”. A avenida reunia o poder financeiro e político do país e o discurso revela a visão política do sambista, que chegou a participar de comícios do PCB e compor para Luiz Carlos Prestes.

Abram alas
Em 1931, a Portela desfila como “Vai Como Pode”. Só em 1935, quando o desfile tornou-se oficial, a escola adotou seu nome. Paulo dirigiu os primeiros desfiles, com mudanças. Em 1939, trouxe os componentes com fantasias voltadas ao enredo, algo óbvio hoje em dia.

O pioneirismo surge com alegorias, alas e comissões de frente e na presença feminina, com duas vozes no samba. Venceu diversos carnavais, até mesmo depois que Paulo se desentendeu com a diretoria da escola, indo para a pequena Lira de Ouro.

Até a sua morte, em 1949, participa de programas de rádio, grava e segue compondo. Canta o jeito simples da vida suburbana, o amor e acima de tudo, a escola que seguiu em seu peito. Como nesse verso, de 1941: “Chora, Portela/ Minha Portela querida/ Eu que te fundei/ Serás minha toda vida”.

O sambista e o mito do Zé Carioca
Entre os muitos shows, Paulo da Portela apresentou-se a um grupo de norte-americanos. Walt Disney estava presente e reza a lenda que teria se inspirado em Paulo para criar o brasileiro Zé Carioca. Os personagens – Argentina e México também teriam os seus – faziam parte da política de boa vizinhança dos EUA, na Segunda Guerra.

O mito resume o caminho trilhado pelo sambista. Paulo atuou como um mediador, procurando aproximar dois lados de uma cidade, que continua dividida até hoje, por conta da segregação e da desigualdade.

Sua luta para retirar o samba da marginalidade encontrou eco entre governantes e a mídia. O Estado Novo enxergou a possibilidade de afirmar uma identidade nacional. A mídia viu ainda um negócio rentável. Ambos precisavam construir uma nova imagem da festa.

Uma reportagem da época resume o espírito. “Ordem absoluta. Prazer imenso. Constituem essas festas, até, número de turismo dos mais admiráveis e admirados. O governo faz bem. É festa legítima do povo. E só é alegre quem é feliz.”

Paulo da Portela enxergava o talento do povo negro, sua criatividade e apostava na música como caminho para a ascensão e a integração social. Não duvidava do potencial e da qualidade à sua volta. Mas, não só nas roupas, aceitou atender ao gosto da platéia formada pela elite branca e rica, que havia expulsado pobres e negros do centro há poucas décadas, num esforço para “limpar” a capital.

Agora, estes mesmos senhores queriam moldar o samba, como um papagaio preguiçoso, favelado e malandro e, acima de tudo, inofensivo.

A experiência coletiva e o prazer de criar foram sendo abandonados, substituídos pela obrigação e pelas normas do mercado de discos.

É legítima a busca pela aceitação do samba e pela profissionalização de quem faz o carnaval, como compositores, costureiras e o pessoal nos barracões. Mas, em nome dessa busca, a história do carnaval mostra como o mercado e as elites foram alterando a essência da festa.

Transformação vista por Heitor dos Prazeres, em 1957, oito anos após a morte do parceiro Paulo da Portela. Ele falou com amargura dos desfiles, dizendo que ao contrário do tempo em que se desfilava por amor, “hoje tudo é feito só com muito dinheiro”. Uma frase que soa como profecia, se olharmos os desfiles de hoje na Sapucaí. Mas que renova a esperança, quando vemos os milhões de foliões nos blocos de todo o país.

Talvez o que tenha passado despercebido é que esse sistema não permite a verdadeira libertação do povo negro e a plena satisfação de seus talentos. Para os capitalistas, somos todos papagaios.

Gustavo Sixel

Extraído do Portal do PSTU

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Um dever de honra

Rosa Luxemburgo

Não queríamos “anistia” nem perdão para as vítimas políticas do velho poder reacionário. Exigíamos nosso
direito à liberdade, à luta e à revolução para aquela centena de militantes corajosos e leais que definhavam nas penitenciárias e nas prisões por terem lutado, sob a ditadura militar do bando criminoso imperialista, pela liberdade do povo, a paz e o socialismo. Agora estão todos em liberdade. Estamos novamente enfileirados, prontos para o combate. Não foram os Scheidemann e seus cúmplices burgueses, com o príncipe Max (1) à frente, que nos libertaram. Foi a revolução proletária que fez explodir as portas de nossas casamatas.

Contudo,
outra categoria de habitantes infelizes desses edifícios lúgubres foi completamente esquecida. Ninguém pensou até agora nos milhares de figuras pálidas e macilentas que definham anos a fio atrás dos muros de prisões e penitenciárias expiando crimes comuns.

E no entanto são vítimas infelizes da infame ordem social contra a qual a revolução
se dirigiu; são vítimas da guerra imperialista, que levou a miséria e a desgraça aos extremos da mais insuportável tortura; que, ao custo de uma carnificina brutal, desencadeou em naturezas fracas, dotadas de taras hereditárias, os instintos mais vis.

A justiça de classe
burguesa funcionou mais uma vez como uma rede que deixa tranquilamente escapar de suas malhas os tubarões rapaces enquanto as pequenas sardinhas nelas se debatem desamparadas. Os especuladores, que ganharam milhões com a guerra, ficaram na sua maioria impunes ou receberam penas pecuniárias ridículas; os pequenos ladrões e as pequenas ladras são punidos com penas de prisão draconianas.

Passando fome e frio nas celas quase sem aquecimento, psiquicamente abatidos pelo horror dos quatro anos de guerra, esses enjeitados sociais
esperavam misericórdia e alívio.

Mas
esperam em vão. O último dos Hohenzollern, soberano bondoso preocupado em fazer os povos degolarem-se uns aos outros e em distribuir coroas, esqueceu-se dos infelizes. Desde a conquista de Liège não houve durante quatro anos qualquer anistia digna de menção, nem sequer no feriado oficial dos escravos alemães, o “aniversário do Kaiser”.

Agora a revolução proletária preci
sa iluminar com um pequeno raio misericordioso a existência sombria nas prisões e nas penitenciárias, diminuir as sentenças draconianas, abolir o bárbaro sistema disciplinar – correntes, açoites! –, melhorar no que for possível o tratamento e os suprimentos médicos, a alimentação e as condições de trabalho. É uma questão de honra!

O sistema penal exist
ente, profundamente impregnado de um brutal espírito de classe e da barbárie do capitalismo, precisa ser extirpado de vez. É preciso começar imediatamente uma reforma de base do sistema penal. É evidente que uma reforma totalmente nova, no espírito do socialismo, só pode ser estabelecida sobre o fundamento de uma nova ordem econômica e social, pois tanto crimes quanto castigos estão em última instância enraizados nas condições econômicas da sociedade. No entanto, uma medida radical pode ser adotada sem mais: a pena de morte, a maior vergonha do ultra-reacionário código penal alemão, precisa desaparecer imediatamente! Por que hesita o governo dos trabalhadores e soldados? Será que o nobre Beccaria, que há duzentos anos denunciou em todas as línguas civilizadas a infâmia da pena de morte, não existiu para vocês, Ledebour, Barth, Däumig? Vocês não têm tempo, têm pela frente mil preocupações, mil dificuldades, mil tarefas. É verdade. Mas peguem o relógio e olhem quanto tempo leva para abrir a boca e dizer: está abolida a pena de morte! Ou será que entre vocês deveria haver a esse respeito um longo debate com votação? Será que nesse caso vocês também se deixariam enredar num emaranhado de formalidades, considerações de competência, questões de rubricas, carimbos e futricas semelhantes?

Ah, como é alemã esta revolução alemã! Como é prosaica, pedante, sem entusiasmo, sem brilho, sem grandeza. A pena de morte esquecida é somente um pequeno detalhe isolado.
Mas é precisamente nesses pequenos detalhes que se trai de costume o espírito intrínseco do todo!

P
eguemos qualquer livro de história da grande Revolução Francesa, por exemplo, o árido Mignet. É possível ler esse livro sem o coração palpitante e a fronte em brasa? Quem abriu qualquer página ao acaso pode largá-lo antes de ter ouvido, empolgado, sem fôlego, o último acorde desse grandioso acontecimento? É como uma sinfonia de Beethoven, intensamente poderosa, uma tempestade trovejando no órgão dos tempos, grande e soberba, tanto nos erros quanto nos acertos, tanto na vitória quanto na derrota, tanto em seu primeiro grito ingênuo de júbilo quanto em seu último suspiro. E o que acontece agora na Alemanha? A cada passo, pequeno ou grande, sente-se que são sempre os velhos e bem comportados companheiros da defunta social-democracia alemã, para quem os carnês de filiação eram tudo, os homens e o espírito, nada. Não devemos nos esquecer contudo que não se faz história sem grandeza de espírito, sem pathos moral, sem gestos nobres.

Liebknecht e eu, ao deixarmos os hospitaleiros espaços onde vivemos ultimamente – ele
, seus irmãos de penitenciária, de cabeça tosada, eu, minhas pobres queridas ladras e mulheres da rua com quem vivi três anos e meio debaixo do mesmo teto – nós lhes prometemos solenemente, enquanto nos acompanhavam com o olhar triste: não os esqueceremos!

E
xigimos do Comitê Executivo dos conselhos de operários e soldados um abrandamento imediato do destino dos prisioneiros em todos os cárceres da Alemanha!

Exigimos a supressão da pena de morte do código penal alemão!


Durante os quatro anos de
genocídio imperialista o sangue correu em torrentes, em riachos. Agora é preciso guardar respeitosamente cada gota dessa seiva preciosa em recipientes de cristal. A mais violenta atividade revolucionária e a mais generosa humanidade – este é o único e verdadeiro alento do socialismo. Um mundo precisa ser revirado, mas cada lágrima que cai, embora possa ser enxugada, é uma acusação; e aquele que, para realizar algo importante, apressadamente e com brutal descuido esmaga um pobre verme, comete um crime.

Die Rote Fahne (Berlim), nº3, 18 de novembro de 1918.

Tradução: Isabel Loureiro

NOTAS

(1) Em 3 de outubro de 1918 o príncipe Max de Bade foi nomeado chanceler, tendo formado um governo parlamentar com o objetivo de paralisar o movimento revolucionário na Alemanha, salvar as classes dominantes e negociar com a Entente. Faziam parte do governo, entre outros, o líder da bancada do partido do Centro, Adolf Gröber, Friedrich von Payer como representante do Partido do Progresso, Philipp Scheidemann e Gustav Bauer como representantes da social-democracia.

Retirado do Site do Instituto Rosa Luxemburgo Stiftung

Nós, Latino-americanos


Somos todos irmãos
Mas não porque tenhamos
a mesma mãe e o mesmo pai:
temos é o mesmo parceiro que nos trai.

Somos todos irmãos
Não porque dividamos
O mesmo teto e a mesma mesa:
Dividamos a mesma espada
Sobre nossa cabeça.

Somos todos irmãos
Não porque tenhamos
O mesmo berço, o mesmo sobrenome:
Temos um mesmo trajeto
De sanha e fome.

Somos todos irmãos
Não porque seja o mesmo o sangue
Que no corpo levamos:
O que é o mesmo é o modo
Como o derramamos.

Ferreira Gullar

Sobre a Ditadura Revolucionária do Proletariado

“A diferença fundamental entre a Ditadura do Proletariado e a Ditadura das outras classes, da Ditadura dos Latifundiários na Idade Média, da Ditadura da Burguesia em todos os países capitalistas civilizados, reside em que a Ditadura dos Latifundiários e da Burguesia representava a opressão violenta da resistência da maioria esmagadora da população, nomeadamente a opressão dos trabalhadores. Pelo contrário, a Ditadura do Proletariado é a opressão violenta da resistência dos exploradores, i.e. de uma minoria ínfima da população, dos Latifundiários e Capitalistas.Disso resulta que a Ditadura do Proletariado deverá portar, consigo, inegavelmente, não apenas, dito genericamente, uma modificação das formas e das instituições da democracia, mas sim um tal modificação delas que os escravizados pelo capitalismo, as classes trabalhadoras, execerão, efetivamente, a democracia em uma medida jamais vista no mundo antes.Realmente, a forma da Ditadura do Proletariado, que já foi praticamente elaborada, i.e. o Poder Soviético na Rússia, o Sistema de Conselhos na Alemanha, os Comitês de Fábrica e outras instituições soviéticas análogas em outros países, significa e materializa precisamente para as classes trabalhadoras, i.e. para a maioria esmagadora da população, uma grande oportunidade para se servir dos direitos democráticos e liberdades, tal como jamais existiu, mesmo que aproximadamente, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas(p. 479).”[1]


[1] Cf. LÊNIN, VLADIMIR I. Thesen und Referat über bürgerliche Demokratie und Diktatur des Proletariats 4. März. I Kongreß der Komm. Internationale (Teses e Exposição acerca da Democracia Burguesa e Ditadura do Proletariado de 4 de Março. I Congresso da Internacional Comunista), in : W. I. Lenin Werke, Vol. XXVIII (De Julho de 1918 à Março de 1919), Berlim, 1959, p. 479.



sábado, 7 de fevereiro de 2009

Deusas do cotidiano

O nome dessas mulheres eu não sei, não lembro e nem preciso saber. São nomes comuns em meio a tantos outros espalhados por esse chão duro chamado Brasil.Mas a maioria delas eu conheço, e conheço bem, são donas de um mesmo destino: as miseráveis que roubam remédios para aliviar as angústias dos filhos.É quando a pobreza não é dor, é angústia também.São as ladras de Victor Hugo.

Donas da insustentável leveza do ser, as infantes guerreiras enfrentam a lei da gravidade.

Permanecem de pé ante aos dragões comedores de sonhos que escondem na gravidade da lei. Das trincheiras do ninho enfrentam moinhos de mós afiadas para protegerem a pança dos pequeninos.São as Quixotes de Miguel de Cervantes.Místicas, não raro, estão sempre nuas em sentimentos. Quando precisam, cruas, esmolam com o corpo, e se postam à espera do punhal do prazer que cravam no seu ventre. È quando o prazer humilha.São as habitantes do inferno de Dante.

Rainhas de castelos de madeiras, sustentam os filhos como príncipes, e os protegem da fome, do frio, e da vida dura e cruel que insiste em bater na porta dessas mulheres de panela vazia. Quanto aos reis, também são os mesmos: os covardes dos vinhos da ira.Mágicas, esses anjos se transformam em rochas, quando a vida pede grão de areia. Em flores quando rastejam e espinhos quando protegem. Essas mulheres são aquelas que limpam tapetes, mas não admitem serem pisadas. São domésticas, mas não aceitam serem domesticadas.Sim, são as deusas do dia a dia.

Sérgio Vaz

Linguagem e medo global

Na era vitoriana, as calças não podiam ser mencionadas na presença de uma senhorita.
Hoje, não fica bem dizer certas coisas na presença da opinião pública.

O capitalismo ostenta o nome artístico de economia de mercado, o imperialismo chama-se globalização.

As vítimas do imperialismo chamam-se países em vias de desenvolvimento, o que é como chamar de crianças aos anões.

O oportunismo chama-se pragmatismo, a traição chama-se realismo.

Os pobres chamam-se carentes, ou carenciados, ou pessoas de escassos recursos.

A expulsão das crianças pobres do sistema educativo é conhecida sob o nome de deserção escolar.

O direito do patrão a despedir o operário sem indenização nem explicação chama-se flexibilização do mercado laboral

A linguagem oficial reconhece os direitos das mulheres entre os direitos das minorias, como se a metade masculina da humanidade fosse a maioria.

Ao invés de ditadura militar, diz-se processo.

As torturas chamam-se pressões ilegais, ou também pressões físicas e psicológicas.

Quando os ladrões são de boa família, não são ladrões e sim cleptómanos.

O saqueio dos fundos públicos pelos políticos corruptos responde pelo nome de enriquecimento ilícito.

Chamam-se acidentes os crimes cometidos pelos automóveis.

Para dizer cegos, diz-se não visuais, um negro é um homem de cor.

Onde se diz longa e penosa enfermidade deve-se ler cancro ou SIDA.

Doença repentina significa enfarte, nunca se diz morte e sim desaparecimento físico.

Tão pouco são mortos os seres humanos aniquilados nas operações militares.

Os mortos em batalha são baixas, e as de civis que a acompanham são danos colaterais.

Em 1995, aquando das explosões nucleares da França no Pacífico Sul, o embaixador francês na Nova Zelândia declarou: "Não me agrada essa palavra bomba, não são bombas. São artefactos que explodem".

Chamam-se "Conviver" alguns dos bandos que assassinam pessoas na Colômbia, à sombra da protecção militar.

Dignidade era o nome de um dos campos de concentração da ditadura chilena e Liberdade a maior prisão da ditadura uruguaia.

Chama-se Paz e Justiça o grupo paramilitar que, em 1997, metralhou pelas costas quarenta e cinco camponeses, quase todos mulheres e crianças, no momento em que rezavam numa igreja da aldeia de Acteal, em Chiapas.


Eduardo Galeano

Poema Brasileiro




No Piauí de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças que nascem
78 morrem antes de completar 8 anos de idade

No Piauí
de cada 100 crianças
que nascem
78 morrem
antes de completar
8 anos de idade

antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade
antes de completar 8 anos de idade


(1962)Ferreira Gullar

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Persépolis: autobiografia de uma lutadora no Irã

Em branco e preto e com traços bastante expressivos e simples, Persépolis é uma das Histórias em quadrinhos mais importantes das últimas décadas. Conta as memórias de Marjane Satrapi – ou Marji – que tinha apenas 10 anos quando ocorreu a revolução iraniana de 1979 que derrubou o Xá Mohamed Reza Pahlevi.

Nesta revolução, houve uma participação popular muito grande, com a formação dos shoras (conselhos populares similares aos sovietes da Revolução Russa), dos quais faziam parte setores expressivos do movimento operário, como os petroleiros. O Xá era uma marionete do imperialismo norte-americano e as pessoas lutavam para, com a queda de Pahlevi, conquistar maior democracia.

Os pais de Marji eram parte de uma classe média intelectualizada socialista. Todos os dias, iam às manifestações contrárias ao regime. No início, Marji não entendia o motivo que levava seus pais a fazerem isto. Tampouco entendia por que tinha vergonha de andar no Cadillac de seu pai.

No entanto, pouco a pouco, entre conversas imaginárias com Deus e Karl Marx, entre participações escondidas em manifestações e a leitura de livros e quadrinhos, acabou compreendendo que a razão de sua vergonha e da revolução era a mesma: “a diferença entre as classes sociais”.

Como em todo o trabalho de Marjane, suas memórias familiares se fundem com a história e a situação política do Irã. Conforme escrito na introdução dos quadrinhos, Marjane herdou toda a história da região da antiga Pérsia e foi a partir desse material que produziu o “primeiro álbum de história em quadrinhos iraniano”.

A revolução foi vitoriosa. Marjane conta que no dia em que o Xá foi embora, “o país fez a maior festa de sua história”. Comemoravam a conquista efetiva de sua liberdade. Comemoravam o retorno dos milhares de presos políticos às suas casas.

Pela primeira vez em 30 anos, a avó de Marji pôde, enfim, reunir seus seis filhos. Entre eles, estava o tio Anouche, parte da esquerda socialista iraniana que foi massacrada pela direção teocrática depois da revolução.



A queda de Pahlevi significou uma terrível derrota para os Estados Unidos. O imperialismo buscava o controle dos ricos poços de petróleo do Irã e, evidentemente, não abandonaria uma de suas peças-chave na região. Armaram o Iraque para que declarasse guerra ao Irã. Como disse o pai de Marji, “a verdade é que, enquanto existir petróleo no Oriente Médio, não vamos saber o que é paz...”.

A hierarquia religiosa aproveitou a guerra contra o Iraque para desmobilizar as massas, atacando os comitês operários, perseguindo o movimento sindical independente e massacrando a esquerda socialista. Com violento esforço reacionário, acabaram com a revolução estabelecendo um Estado burguês ditatorial de ideologia religiosa.

Marji mostra toda a sua alegria e exaltação na queda do Xá e sua confusão com a ascensão dos cléricos. Após ter estudado numa escola laica e bilíngüe, Marji foi obrigada a freqüentar um colégio religioso, a usar o véu e a se submeter a uma série de novas proibições particulares às mulheres. Bastante influenciada pelos questionamentos feministas de sua avó e pela experiência sofrida com o choque cultural dos tempos nos quais viveu na Áustria, Marjane não entendia o motivo daquela peça obrigatória de vestuário.



Tampouco via sentido nas desigualdades cada vez mais abismais entre mulheres e homens de seu país e entre a hierarquia clerical e os trabalhadores e jovens. Estes últimos eram mandados em atacado à guerra em troca de uma pretensa garantia de entrada no paraíso. Em seus oito anos, a guerra entre Irã e Iraque produziu mais de um milhão de mortos.

Em 2007, os quadrinhos foram transformados em animação. No dia de sua exibição oficial, o governo iraniano divulgou uma nota de repúdio condenando a forma como o país é representado na obra de Marjane Satrapi.

Transitando entre o humor e o drama, ao contrário das acusações do governo iraniano, Persépolis não condena o Irã, tampouco idealiza o Ocidente. Em tom confessional, os quadrinhos projetam o aspecto humano das convulsões políticas e sociais que resultaram da deposição revolucionária de uma monarquia ditatorial pró-imperialista, da disputa dos destinos da revolução entre os cléricos e a esquerda socialista, e a formação de uma república islâmica capitalista e repressiva. Um retrato poético, ousado e único.

Nadia Khalil, da redação do jornal Al Baian
Fonte: Portal do PSTU
 
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