Pérola

"Nós entendemos que Israel tem o direito de se defender pois nesses últimos anos o Hamas lançou diversos foguetes na região"
Barack Obama

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Salário

Ó que lance extraordinário:
aumentou o meu salário
e o custo de vida, vário,
muito acima do ordinário,
por milagre monetário
deu um salto planetário.

Não entendo o noticiário.
Sou um simples operário,
escravo de ponto e horário,
sou caxias voluntário
de rendimento precário,
nível de vida sumário,
para não dizer primário,
e cerzido vestuário.
Não sou nada perdulário,
muito menos salafrário,
é limpo meu prontuário,
jamais avancei no Erário,
não festejo aniversário
e em meu sufoco diário
de emudecido canário,
navegante solitário,
sob o peso tributário,
me falta vocabulário
para um triste comentário.
Mas que lance extraordinário:
com o aumento de salário,
aumentou o meu calvário!

Carlos Drummond de Andrade

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Fórum Social Mundial promove ‘limpeza’ em periferia

do portal do PSTU

• O Fórum Social Mundial (FSM) continua sendo um espaço que aglutina centenas de organizações sociais e milhares de ativistas de diversos países e ideologias. O FSM sempre foi dirigido e organizado pelo PT e pela juventude do PCdoB (UJS). Desta vez, é a própria governadora Ana Júlia (PT), quem investirá pesado no evento.

As obras em volta do acampamento da juventude já começaram. O acampamento será em duas universidades: Universidade Federal do Pará (UFPA) e Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA). Elas são cercadas pelo Rio Guamá e por duas grandes periferias, Terra-Firme e Guamá. Por esse motivo, uma fileira de 110 casas, inicialmente, foram compradas e derrubadas para alargar a rua em torno do acampamento. Em seguida, porém, derrubaram muito mais delas.

O governo está comprando as casas por R$ 3 mil, R$ 1.800 e até por R$ 500. Além de valores irrisórios, os moradores não tem direito a um alojamento provisório nem prorrogação dos prazos. Isso os coloca numa situação a caminho da indigência. Após a assinatura do morador, ele espera por um dia improvável em que a migalha cairá em sua conta. Após isso, lhe restam apenas cinco dias para sair. Caso não saia, as autoridades competentes o despejam a força.

Os que se recusam a assinar, recebem intimações judiciais e visitas de advogados com policiais em tom ameaçador. Os moradores disseram que as mulheres são as mais pressionadas. Segundo eles, o governo alega que se trata de uma área de invasão e diz que as pessoas não tem direito a nada. É isso que o governo chamado de popular e democrático do PT pensa sobre as ocupações urbanas e populares?

As primeiras casas derrubadas foram compradas por preços bem melhores. Aparentemente, o objetivo do governo era isolar as casas restantes e forçar os moradores a aceitarem quantias irrisórias. Outra tática importante do governo foi a de começar as demolições durante as férias da UFPA para evitar prováveis atritos com o movimento estudantil. No ano passado, os ativistas ocuparam a reitoria daquela universidade e, certamente, apoiariam os habitantes.

Muitos moradores já perderam seus empregos devido aos abalos psicológicos. O clima de depressão é geral. Ficamos sabendo de uma senhora de 83 anos, conhecida como a “mãezona” da vizinhança, que foi despejada. Ela vivia da solidariedade da comunidade. O governo garantiu que seria pago um aluguel a ela até que encontrasse outra casa morar. A última notícia que tivemos foi de que está morando de favor num lugar distante. O dinheiro do aluguel nunca chegou.

A Organização do FSM alega que não tem nada que ver com o problema e que são obras do governo não-ligadas ao Fórum. Já é bastante contraditório que digam isso de um governo que eles mesmos apóiam. Fomos conferir com o órgão responsável pela obra, a COHAB, e ouvimos que “as obras não tem a ver com o Fórum Social Mundial mas, temos ordens para aprontar essa primeira etapa de remanejamento desse pessoal até janeiro, para que seja estreado durante o evento”.

Agora fica mais claro porque tamanha truculência e pressa nesse projeto. Tudo em nome de “um outro mundo possível”.

Dinorah da Silva e Érica Correa, de Belém (PA)

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

O teu riso

Tira-me o pão, se quiseres,
tira-me o ar, mas não
me tires o teu sorriso.

A minha luta é dura e regresso
com os olhos cansados
às vezes por ver
que a terra não muda,
mas ao entrar teu riso
sabe ao céu a procurar-me
a abre-me todas
as portas da vida

À beira mar, no outono,
teu riso deve erguer
sua cascata de espuma...

Ria da noite,
do dia, da lua,
ria das ruas
tortas da ilha,
ria deste grosseiro
rapaz que te ama,
mas quando abro
os olhos e os fecho,
quando meus passos,
nega-me o pão, o ar,
a luz, a primavera,
mas nunca o teu riso,
porque então morreria.

Pablo Neruda

domingo, 25 de janeiro de 2009

O Açúcar

O branco açúcar que adoçará meu café
Nesta manhã de Ipanema
Não foi produzido por mim
Nem surgiu dentro do açucareiro por milagre.

Vejo-o puro
E afável ao paladar
Como beijo de moça, água
Na pele, flor
Que se dissolve na boca. Mas este açúcar
Não foi feito por mim.

Este açúcar veio
Da mercearia da esquina e
Tampouco o fez o Oliveira,
Dono da mercearia.
Este açúcar veio
De uma usina de açúcar em Pernambuco
Ou no Estado do Rio
E tampouco o fez o dono da usina.

Este açúcar era cana
E veio dos canaviais extensos
Que não nascem por acaso
No regaço do vale.

Em lugares distantes,
Onde não há hospital,
Nem escola, homens que não sabem ler e morrem de fome
Aos 27 anos
Plantaram e colheram a cana
Que viraria açúcar.
Em usinas escuras, homens de vida amarga
E dura
Produziram este açúcar
Branco e puro
Com que adoço meu café esta manhã
Em Ipanema

Ferreira Gullar

sábado, 24 de janeiro de 2009

Blogue novo

Pessoas, desde o último dia 23, passa a existir um novo Blog, chamado Mangue Wireless, cujo manifesto editorial foi postado por Eli, dono do Blog Antes Quixote, e também tem a companhia de Mário Jr. do Blog do Mário Júnior, da Naísia, quem não tem nenhum outro blog e do Bicho-grilo que mantém o Blog Mordida de Preá.

Esperamos que a lista de colaboradores cresça.

E vocês que já visitam esse espaço passa a ter outro espaço para diálogos, polêmicas, etc, etc³

ta dado recado!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

Sim, Camarada

Sim, Camarada, é hora de jardim
E é hora de batalha, cada dia
É sucessão de flor e sangue,
Nosso tempo nos entregou amarrados
A regar jasmins
Ou a dessangrar-nos numa rua escura,
A virtude ou a dor se repartiram
Em zonas frias, em mordentes brasas,
E não havia outra coisa que eleger,
Os caminhos do céu,
Antes tão transitados pelos santos,
Estão hoje povoados por especialistas.

Já desapareceram os cavalos.

Os heróis vestidos de batráquios,
Os espelhos vivem vazios
Porque a festa é sempre em outra parte,
Onde já não estamos convidados
E há brigas nas portas.


Por isso este é o penúltimo chamado,
O décimo sincero toque
Do meu sino,
Ao jardim, camarada, à açucena,
À macieira, ao cravo intransigente,
À fragrância da flor de laranjeira,
E logo aos deveres da guerra.

Delgada é nossa pátria
E em seu despido fio de faca
Arde nossa bandeira delicada.


Pablo Neruda

Como se fabrica um mainstream...

Passei uns dias na minha terra natal e é impressionante perceber que nada mudou... e me parece que como diz uma música do Mopho..."Nada vai mudar".

Bom primeiro deixa eu falar do que se trata essa postagem, trata da política cultural implementada na cidade de aracaju desde a eleição do PT, para a prefeitura em 2000, e com ela que eu quero iniciar uma polêmica, que não vai parar nesse post, apenas vamos iniciar.

Acontece que na última década um certo "mainstream" foi forjado, fabricado como queiram na cidade de Aracaju, bandas como Reação, Naurêa e Maria Escobona, tocam em quase todos os eventos da prefeitura desde 2000.

Não quero me deter aqui sobre a qualidade sonora dessas bandas, mas posso dizer que dessas três só respeito mesmo a Reação, apesar de ser sabido que não sou lá muito fã de reggae, o fato é que por motivos vários essas bandas estão sempre presentes, criando praticamente um monopólio da música sergipana, e do dinheiro público nos últimos anos.

A olhos vistos houve, pelo menos na aparência uma mudança qualitativa na política cultural seja na prefeitura, seja no governo do Estado de Sergipe, depois que o PT e o PC do B, juntos com lideranças da direita Sergipana chegaram ao poder no estado. Os slogan Aracaju de Todos, parecia estar vingando, mas sempre na aparência... a essência da política continuava a mesma!

Assim sendo, logo que se "muda" o governante mudam também as figuras que frequentam as rodas de poder do Estado, e obviamente isso se reflete na política cultural. Bandas como Karne Krua, Snooze, Plástico Lunar(pra citar algumas das mais antigas), as mesmas que a anos vivem com seus amplificadores, e instrumentos músicais pra lá e pra cá, carregando várias vezes nas costas, dando suor de verdade para construir algo.

A "cena" independente Sergipana, por muitas vezes avessa à polêmicas, colocou no gueto banda que são tão boas(e na minha opinião melhores) do que qualquer uma que faz parte do maistream forjado à força e não pela qualidade dos seus músicos ou músicas(aqui de novo a execessão é a Reação e talvez pelos músicos e não pelas músicas a Maria Escobona).

O meio artístico sempre foi cheio de polêmicas, e se resisitiu a té hoje, foi em boa parte Às diversas polêmicas que rolaram entre músicos, poetas, escritores, artistas plásticos, etc... Mas em Aracaju quem manda é a máquina governamental... o ESTADO! Por tanto ou se enquadra ou tá fora!

BELOS GOVERNOS DEMOCRÁTICOS E POPULARES!

Na minnha humilde opinião, o que ta aí mudou os artistas, mudaram as opções pelos estilos músicais, mas na vida real e concreta não mudou a política... Onde por exemplo que foi criado um fórum para os artistas decidirem a política para as artes, alguns mandam, outros obedecem... alguns poucos batem de frente!

Eu me coloco aqui com os que batem de frente!

Coisas absurdas acontecem, por exemplo aniversário da Aperipê, emissora de rádio estatal, por tanto PÚBLICA, show com(de novo na minha opinião) a maior banda de rock da história do Brasil e pra mim, está entre as 10 melhores do mundo de todos os tempos: Os mutantes, maravilha, gostaria muito de estar nesse show, assim como gostaria de ver a Plástico Lunar abrindo o show dos caras, mas não, toca a Naurêa... recebendo um bom cachê muito provavelmente, e olha tenho certeza pelas influências musicais da Plástico Lunar, pra abrir pros Mutantes, tenho certeza, eles tocariam até de graça!!!

Mas o problemas é que algumas pessoas que achavam que a máquina Pública eram delas, tiraram férias e entraram os novos donos... ou aqueles que se acham donos com o nosso dinheiro, pago atravéz de todos os impostos que pagamos diariamente, e assim colocam seus interesses pessoais a cima de qualquer coisa!

Em geral, bandas mais conhecidas tocam por ter mais público, e assim os governos gastam mais dinheiro, mas divertem mais o "povo"...

A grande questão a se pensar é onde que por exemplo a Naurêa tem mais público e do que a Karne Krua ou a Plástico Lunar?

Sobre o mainstream, vou pegar uma definição internética já que estou na internet nesse momento, definição no wikipédia:

"Mainstream (em português corrente principal) é o pensamento corrente da maioria da população. Este termo é muito utilizado relacionado às artes em geral (música, literatura, etc).

Não vejo
e nenhuma banda dessas algo que seja "pensamento corrente da maioria da população", e por tanto não consigo compreender o por que da insistência com alguns poucos e não uma abertura maior para outros artistas.

Se a prefeitura e governo do Estado(dirigidos pelo PT e pelo PC do B) é realmente democrática, que abra espaços pra todo mundo, não só tocar, mas pra todo mundo discutir a sua política cultural, educacional, de saúde, que se criem conselhos, onde as pessoas discutam de fato as coisas, façam suas críticas, suas polêmicas, etc...

Quem tem medo de polêmica é por que sabe que ta tudo errado!

Aqui abro espaço no meu blog, para todos aqueles que de alguma forma estão sendo isolados e não compartilham com o Monopólio político-cultural existente no estado de Sergipe!

Aqui cabe uma explicação do por que eu disse que a Reação é a excessão(que sempre confirma a regra).

Bom pela segunda vez deixo claro que não gosto de Reggae, mas é impossível escutar essa banda e ver que os caras são bons de verdade, músicas boas, críticas necessárias, e talz, apenas acredito que devem ter muito cuidado para não se enquadrarem na moldura do Estado. Esses podem e devem e ir muito mais lionge do que os outros, por uma simples causa: São bons, humildes, e não dependem da prefeitura ou do Estado para fazer música boa!

Fabiano Santos

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

e a polêmica continua... Artigo de Alvaro Bianchi

aqui vc encontra a integra do texto

Antitrotskismo: manual do usuário
Alvaro Bianchi: Professor do Departamento de Ciência Política da Unicamp, secretário de redação da revista Outubro e coordenador do Grupo de Estudos sobre o Marxismo de Leon Trotsky, sediado no Centro de Estudos Marxistas da Unicamp.

Tomei conhecimento, com retardo de alguns dias, do artigo publicado pelo publicista português Miguel Urbano Rodrigues em O Diário.info, com data de 11 de dezembro de 2008, a respeito de Leon Trotsky. [1] E embora minha reação seja extemporânea creio necessário divulgá-la. Urbano Rodrigues é um veterano jornalista que durante seu exílio no Brasil trabalhou no jornal O Estado de S. Paulo e na revista Visão. É também conhecido comunista e ocupou a frente do jornal Avante! após a Revolução dos Cravos, além de ter sido deputado na década de 1990 em Portugal. Mas o que motiva esta resposta não é a trajetória militante do jornalista, nem a difusão de seus textos no Brasil e Portugal e sim as idéias que tem lugar no artigo. Pode se objetar que não são idéias novas. De fato, como será visto mais adiante, trata-se da reprise de velhos temas do antitrotskismo sobre os quais se torna necessário voltar mais uma vez.

Em seu artigo, intitulado “Apontamentos sobre Trotsky: o mito e a realidade”, Urbano Rodrigues resmunga inconformado sobre um suposto paradoxo: ninguém hoje fala de Mikhail Gorbachev, mas “Trotsky continua a ser um tema que fascina muitos intelectuais da burguesia, alguns progressistas, e dezenas de organizações trotskistas na Europa e sobretudo na América Latina”. Admirado com esse “paradoxo” o articulista interroga-se: Por que essa sobrevivência de algumas teses do trotskismo no debate contemporâneo se contraditoriamente os partidos e movimentos trotskistas não são uma “força política com influência real no rumo de qualquer país”?

O “paradoxo” anunciado por Urbano Rodrigues é, evidentemente, artificial. O que tem a ver Gorbachov com Trotsky? Acaso o primeiro era um partidário, simpatizante ou mero admirador do segundo? Acaso as idéias de ambos eram similares em algum ponto? E quais são os tais “intelectuais da burguesia” fascinados por Trotsky? Em que “grandes universidades do Ocidente” eles estão? Que livros publicaram? Que artigos escreveram? Talvez o jornalista esteja fazendo referência ao monumental estudo de E. H. Carr sobre a revolução bolchevique. 2 Carr não era marxista e, em alguns pontos de sua narrativa, parece concordar com as posições de Trotsky, embora deixe claras suas inúmeras críticas. Mas afirmar que ele se encontrava fascinado pela vida e obra do revolucionário russo é no mínimo um exagero. Além do mais, infelizmente, Carr morreu há mais de 25 anos. Será que o espectro de sua enciclopédica pesquisa ainda assombra Urbano Rodrigues?

O suposto paradoxo apontado por Urbano Rodrigues parece encontrar apoio na identificação feita por ele entre antistalinismo e anticomunismo. Mas não há razão nenhuma para estabelecer tal identidade a não ser que o comunismo seja identificado com o stalinismo. Esse parece ser o ponto. Apegado a velhas idéias que há muito foram submetidas à critica devastadora o jornalista identifica o programa do comunismo e seu projeto de emancipação, com seu oposto, o stalinismo e o regime que ele deu lugar na União Soviética. A simpatia do jornalista por Stalin é assumida e em vários momentos se expressa apologeticamente. Protestando contra a satanização de Stalin, o jornalista escreveu:

“Sem a sua [de Stalin] acção à frente do Partido e do Estado, a URSS não teria sobrevivido à agressão bárbara do Reich nazi, sem ela a pátria de Lenine não se teria transformado em poucas décadas na segunda potencia mundial, impulsionando um internacionalismo que apressou a descolonização, incentivou e defendeu revoluções no Terceiro Mundo e estimulou poderosamente a luta dos trabalhadores nos países desenvolvidos do Ocidente.”

Não deixa de ser chocante que antes de ousar escrever sua engajada defesa do secretário-geral, Urbano Rodrigues apresente como uma façanha o fato de ter “sido dos primeiros comunistas portugueses a criticar o dogmatismo subjectivista de Stáline num livro apreendido pela ditadura brasileira”. Chocante não é o fato de ele achar que a crítica ao “dogmatismo subjetivista” vá ao âmago do fenômeno stalinista e sim o fato dessa crítica superficial ter sido feita “em 1968”, ou seja, doze anos depois do relatório Khrushchev e das referências aos “excessos” Stalin terem se tornado freqüentes na imprensa comunista internacional! O fato de Urbano Rodrigues estar no Brasil quando de sua façanha a torna ainda mais chocante essa “crítica”. No final dos anos 1950 e início dos anos 1960 a crítica ao stalinismo era corrente em diversas tendências da esquerda brasileira, não apenas trotskistas. Também no interior do Partido Comunista Brasileiro, organização que sempre se manteve fiel às diretrizes da União Soviética, essa era uma crítica freqüente. A façanha de estar doze anos atrasado inocenta Urbano Rodrigues do quê?

Mas a crítica de Urbano Rodrigues a Stalin, mesmo atrasada, estava longe de ser profunda. Ela limitava-se a “sua postura perante o marxismo e a condenação dos seus métodos e crimes”. Mas Stalin permanecia para o jornalista como “um revolucionário cuja contribuição para a transição do capitalismo para o socialismo na União Soviética foi decisiva”. O programa político do stalinismo permaneceria, assim, válido. Necessário seria, então, corrigir os excessos e mudar a “postura perante o marxismo”. Nos anos 1960 era essa a versão esclarecida do stalinismo. Hoje, quando a maior parte dos partidos comunistas definha perdendo peso social e relevância política essa é sua versão senil.

Evidentemente, não são os “intelectuais da burguesia” os que incomodam Urbano Rodrigues e sim as “dezenas de organizações trotskistas na Europa e sobretudo na América Latina”. É significativo que esse novo ataque ao trotskismo ocorra justamente quando essas organizações revelam uma forte tendência ao crescimento e à expansão, tendência simetricamente oposta à apresentada pelos antigos partidos comunistas.

Velhos e velhíssimos argumentos

É verdade que a demonização não contribuiu para a compreensão do fenômeno staliniano. Embora estivesse carregada de um juízo muito rigoroso sobre a personalidade do secretário-geral a crítica de Trotsky à burocracia soviética contribuiu de modo decisivo para uma visão política e social do fenômeno stalinista e do próprio Stalin que se afastava de toda tentativa de moralização e satanização. Para Trotsky, o “stalinismo é, acima de tudo, o trabalho automático de um aparelho sem personalidade no declínio da revolução”. [3]E em outra oportunidade escreveu de modo lapidar: “Stalin não é uma personalidade: ele é a personificação da burocracia”. [4]A burocracia soviética encontrou em Stalin sua encarnação, assim como após sua morte entrou seus sucedâneos. Por outro lado, o stalinismo sempre foi, para Trotsky não a encarnação do mal, mas um programa político consubstanciado nas teorias do socialismo em um só país e da revolução por etapas. Por essa razão, não é impróprio falar de stalinismo ou de partidos stalinistas após o relatório Khrushchev, quando os crimes de Stalin e o culto à personalidade foram denunciados mas seu programa político preservado.

Para tornar mais preciso esse conceito do stalinismo é necessário acrescentar que ele se define, também, pela simples negação – teórica, política e, em seus momentos, física – de seu antagonista. O stalinismo é, também, um antitrotskismo. Assim como o stalinismo reciclou-se, também o antitrotskismo o fez. Nos infames Processos de Moscou, Trotsky foi acusado de ser agente da Gestapo e liderar movimentos de sabotagem ao Estado soviético. Para Urbano Rodrigues “esse tipo de calúnias é tão absurdo, como expressão de um ódio irracional, como o esforço realizado por escritores anticomunistas e alguns governos para criminalizarem o comunismo como sistema comparável ao fascismo”. E tem razão.

Para além dos insultos e grotescas acusações, uma parte do arsenal do antitrotskismo consistiu no uso de passagens dos escritos de Lenin nos quais o dirigente do Exército Vermelho era alvo da crítica. Mas tarde essas passagens foram reunidas em coletâneas. [5]Isso, entretanto, foi insuficiente e prontamente se revelou necessário reescrever toda a história da revolução russa, operação que encontrou sua forma mais acabada na infame História do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique), publicada em 1938. A autoria desse livro de “história” era atribuída a uma comissão nomeada pelo Comitê Central, mas dez anos depois um artigo publicado na imprensa soviética atribuiu a verdadeira autoria a Stalin. [6]

Exceto por alguns renitentes arquistalinistas, o antitrotskismo depurou seus aspectos mais grotescos e procurou apresentar-se de modo mais sofisticado após a morte de Stalin. [7]Sua intensidade, entretanto paradoxalmente aumentou, dando lugar a uma verdadeira “síndrome antitrotskista”, nas palavras do historiador Gabriel García Higueras. A partir de meados dos anos 1960, respondendo, evidentemente ao crescimento do movimento trotskista, novos textos foram publicados. Robert McNeal, listou 29 livros contra Trotsky e o trotskismo publicados pela União Soviética entre 1965 e 1975 e García Higueras enumerou dez traduções para o espanhol desses trabalhos. [8]

Dentre essa literatura se destacam o incansável Mikhail Basmanov, além do não menos cansativo Leo Figuères. [9]Nesse período surgiu, também uma nova variante do antitrotskismo, a liberal e, mais recentemente, outra pós-soviética. [10]Os maoístas também deram sua esquizofrênica contribuição. Enquanto na França Kostas Mavrakis se esforçava para comprovar que sua crítica a Trotsky se distanciava da grosseira representação staliniana, em Pequim, onde não eram dados a tergiversar, dispensavam intermediários e publicavam uma alentada coletânea de textos de Stalin contra Trotsky e as oposições. [11]

Muito embora parte dessa bibliografia tenha eliminado as características mais brutais desse tipo de literatura, o antitrotskismo manteve ao longo do tempo alguns argumentos reiterados à exaustão. Não acrescentou novos e esclarecedores documentos, nem interpretações originais. Também não reagiu à publicação dos alentados estudos de E. H. Carr e de Isaac Deutscher, limitando-se a contrapor aos novos documentos e argumentos, simplesmente aquilo que estes desmentiam. Grosso modo, essa literatura não foi além daquilo que já estava na História do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique), depurando, em suas melhores versões, seus excessos.

Urbano Rodrigues dá mais uma volta nesse parafuso. Seu artigo é um pequeno manual do antitrotskismo. Não acrescentou nada de novo ao debate, reprisou temas e argumentos e, conforme será demonstrado a seguir, reproduziu de modo acrítico a contestada versão da historiografia staliniana. O argumento central do jornalista é muito simples: Trotsky e Lenin discordaram em várias oportunidades e polemizaram de modo muito duro. [12]Mas o que há de novo em afirmar que a posição de ambos era diferente na conferência de Zimmerwald, em 1916, assim como em Brest-Litovsk, em 1917, e no tocante aos sindicatos soviéticos, em 1921? Poderiam ser enumerados outros muitos casos, talvez o mais importante dos quais seja o desacordo no Segundo Congresso do POSDR e as críticas do jovem Trotsky à concepção de partido de Lenin. Mas não há nada a esse respeito que Basmanov, Figuères e Mavrakis não tenham dito, e antes deles o infame manual de história do Partido Bolchevique.

De modo pouco imaginativo Urbano Rodrigues decidiu retornar a velhos e gastos argumentos. Não citou nenhuma pesquisa recente sobre o tema, nem trouxe nenhuma nova informação; apenas repetiu. Sua descrição dos desacordos a respeito de Brest Litovsk é, nesse sentido, exemplar e, por essa razão, será aqui melhor discutida. Referindo-se aos desacordos no interior do partido Bolchevique, o jornalista acusa Alfred Rosmer e Rosenthal de terem omitido “que meses depois da sua adesão ao Partido Bolchevique, quando já exercia funções de grande responsabilidade, como dirigente, Trotsky divergiu de Lenine em questões de grande importância em momentos cruciais.” A acusação pode justificar-se com relação a Rosmer. De fato, em seu livro Moscou sous Lénine, o comunista francês não destaca essas diferenças, preferindo enfatizar aquelas que existiam com Bukharin e os “comunistas de esquerda”. Mas é completamente injustificada com relação a Rosenthal, que começa sua narrativa em 1927! [13]Além disso, Urbano Rodrigues poderia ter destacado o fato de que Isaac Deutscher, Pierre Brouè, Tony Cliff e Jean-Jacques Marie, simpatizantes de Trotsky e autores de incontornáveis biografias a respeito, detalharam à exaustão essas diferenças. [14]

De volta a Brest-Litovsk

Tem razão o jornalista, quando afirma que a “participação de Trotsky em Brest Litowski continua a ser tema polémico”. O stalinismo falsificou abertamente a história para criar boa parte dessa polêmica. Na História do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique) uma fantasiosa versão referente às polêmicas que tiveram ocasião no Partido Bolchevique à época das negociações em Brest-Litovsk foi apresentada. De acordo com essa versão, Trotsky, os “comunistas de esquerda” e os socialistas revolucionários de esquerda tramaram um complô para prender e assassinar Lenin, Stalin e Sverdlov:

“Mas o recente processo do anti-soviético ‘Bloco de Direitistas e Trotskistas’ (início de 1938) revelou agora que Bukharin e o grupo de “comunistas de esquerda” liderado por ele, juntamente com Trotsky e os socialistas-revolucionários ‘de esquerda’, conspiravam contra o governo soviético. Agora é sabido que Bukharin, Trotsky e seus companheiros conspiradores tinham determinado romper a Paz de Brest-Litovsk, prender V. I. Lenin, J. V. Stalin e Y. M. Sverdlov, assassiná-los e formar um novo governo com bukharinistas, trotskistas e socialistas revolucionários ‘de esquerda’” [15]

O livro cometia a proeza de falsificar os Processos de Moscou. No próprio juízo contra o “Bloco de Direitistas e Trotskistas”, Bukharin desmentiu essa versão, negando categoricamente qualquer plano para assassinar Lenin. Bukharin, entretanto, reconheceu que os “comunistas de esquerda” Karelin e Kamkov compareceram a uma reunião na qual os socialistas revolucionários fizeram a proposta de prender Lenin por 24 horas e assumir o comando da revolução, rompendo os acordos de Brest-Litovsk. Também afirmou que ambos comunistas rejeitaram veementemente a proposta. [16]Fica claro na narrativa de Bukharin que, apesar da tortura e chantagem nas quais esta havia sido forjada, ele não implicou Trotsky em nenhum complô. Sobre esse ponto, Bukharin, desafiando seus algozes ao menos uma vez, não disse nada que já não estivesse registrado nos anais da história, uma vez que o mesmo havia, em 1923, notificado o partido sobre essas conversas e o assunto havia sido comentado pelo jornal Pravda em 1924. [17]Mas para os dirigentes soviéticos a “confissão” de Bukharin embora forjada era insuficiente, foi necessário, assim, falsificá-la, atribuindo-lhe o que nunca disse.

A História do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique) também confundia as posições de Trotsky e Bukharin a respeito da paz, embora fossem significativamente diferentes. Segundo o manual,

“Os aliados nesse sinistro esquema eram Trotsky e seu cúmplice Bukharin, o ultimo juntamente com Radek e Pyatakov liderando um grupo hostil ao partido, mas camuflado sob o nome de “comunistas de esquerda”. Trotsky e o grupo dos “comunistas de esquerda” deram início a uma feroz luta no partido contra Lenin, exigindo a continuação da guerra. Essas pessoas faziam claramente o jogo da Alemanha imperialista e dos contra-revolucionários no país, pois agiram para expor a jovem república soviética, a qual não tinha ainda um exército, às garras do imperialismo germânico.” [18]

Segundo a História staliniana Lenin declarou que Bukharin e Trotsky “ajudaram o imperialismo alemão e entorpeceram o crescimento e desenvolvimento da revolução alemã.” [19]No texto original Lenin fez referência a Bukharin e outros “comunistas de esquerda”, mas não citou uma única vez a Trotsky. [20]Além de adulterar citações, o manual também ignorava as resoluções do partido e dos soviets que haviam sido tomadas e criava outras que nunca tiveram nem poderiam ter tido lugar, uma vez que Lenin era, em fevereiro, minoria no Comitê Central Bolchevique. A conclusão óbvia dessa fantasiosa história era que Trotsky não passava de um traidor:

“No dia 18 de fevereiro, as negociações de paz em Brest-Litovsk foram rompidas. Embora Lenin e Stalin, em nome do comitê Central do Partido tivesse insistido que a paz deveria ser assinada, Trotsky, que liderava a delegação soviética em Brest-Litovsk, traiçoeiramente violou as instruções diretas do Partido Bolchevique. Ele anunciou que a República Soviética recusava concluir a paz nos termos propostos pelos alemães. Ao mesmo tempo informou os alemães que a República Soviética não lutaria e continuaria a desmobiliar seu exército. Isso foi monstruoso. Os imperialistas alemães não poderia desejar anda mais desse traidor dos interesses do país dos soviets.” [21]

Embora o manual de historia stalinista faça um amálgama entre as idéias de Trotsky e Bukharin, durante as negociações três eram as posições no interior do partido Bolchevique: Lenin, apoiado por Zinoviev e Stalin, propunha que fossem aceitas todas as condições dos alemães nas negociações; Bukharin e os chamados “comunistas de esquerda”, defendiam a ruptura das negociações e a declaração de uma “guerra revolucionária” contra as potências imperialistas; Trotsky, por sua vez, advogava uma política na qual os bolcheviques deveriam se retirar das negociações e decretar a paz unilateralmente, sem aceitar as condições dos alemães.

A política de Trotsky, resumida pela palavra-de-ordem “nem paz, nem guerra”, era uma tentativa de ganhar tempo nas negociações apostando na estabilização do poder soviético e num levante dos trabalhadores ocidentais contra a guerra. A recusa à “paz” significava, nessa perspectiva, a rejeição das condições impostas pelos alemães e a denúncia de seus propósitos belicistas e anexionistas. A posição do representante do novo Estado soviético nas negociações era, certamente, a mais complexa e implicava uma fina percepção das mudanças na política das grandes potências e o acompanhamento dos acontecimentos no movimento operário europeu e, não menos importante, no desenrolar da guerra no front ocidental.

Embora Lenin não concordasse com todas as conseqüências da posição de Trotsky, não foi com esta que debateu de modo mais firme e sim com a posição de Bukharin. A posição deste último parecia ser majoritária na base do partido, principalmente em Moscou. Em uma reunião realizada no dia 8 de janeiro com os delegados bolcheviques que participariam da reunião do 3º Congresso dos Soviets, a posição de Bukharin obteve 32 votos, a de Trotsky, 16 e a de Lenin, francamente minoritária, recebeu 15 votos. [22]A seguir foi feita uma consulta com duas centenas de soviets locais sobre o tema da paz. Apenas dois foram a favor da paz – Petrogrado e Sebastopol – e os demais votaram a favor da Guerra revolucionária. [23]

Um áspero debate teve lugar a respeito no interior do Comitê Central, durante sua sessão de 11 de janeiro de 1918. As teses escritas por Lenin para essa reunião criticavam de modo minucioso “os argumentos em favor de uma guerra revolucionária imediata”, mas não faziam menção a Trotsky ou a sua posição nos debates. [24]Após apresentar suas teses, Lenin encaminhou proposta pela qual o Comitê Central autorizava a protelar por todos os meios a assinatura da paz. [25]A resolução de Lenin foi aprovada e apenas Zinoviev, propenso a aceitar rapidamente as condições dos alemães, votou contra ela. Lenin mantinha, entretanto, seus desacordos com o representante dos soviets em Brest Litovsk, como fica claro em seu discurso nessa reunião. Segundo Lenin, a posição de Trotsky era “uma demonstração de política internacional. Ao retirar nossas tropas o que conseguimos é entregar aos alemães a República Socialista da Estônia”. [26]Lenin considerava que a posição de Trotsky poderia tornar-se perigosa, embora no momento não fosse, e levar a concessões ainda maiores.

Depois de aprovada a moção de Lenin com o voto de Trotsky, este último apresentou outra proposta de resolução que não era contraditória com a anterior: “Interrompemos a guerra e não assinamos a paz – desmobilizamos o Exército”, por nove votos contra sete. [27]As versões sobre essa votação são bastante contraditórias. Serge escreveu a respeito que “Zinoviev, Stalin e Sokolnikov apoiaram Lenin. Lomov e Kretinski votaram pela guerra; a fórmula apoiada por Trotski, Bukharin e Uritski – prolongar as negociações – obteve a maioria dos votos.” [28]Mas Serge parece confundir duas votações diferentes. Além do mais todos os historiadores são unânimes em afirmar que Lenin encaminhou e votou na proposta de prolongar as negociações. Há também um grande acordo sobre o número de votos que a proposta de Trotsky recebeu. A questão é, então se ela recebeu o apoio de Lenin na votação. Deutscher não afirma se Lenin votou ou não na posição de Trotsky e Carr escreve não ser possível determinar como votaram os membros do comitê central, mas Jean-Jaques Marie em uma pesquisa mais recente afirma que para “Lenin, desmobilizar o exército sem concluir a paz era ir demasiado longe: ele vota contra”. [29]O 3º Congresso dos Soviets realizado pouco depois aprovou resoluções semelhantes, bem como o relatório de Trotsky sobre as negociações de Brest Litovsk no qual sua linha era apresentada e defendida.

Foi com essas resoluções e nenhuma outra que Trotsky partiu novamente para Brest. Mas antes de fazê-lo reuniu-se privadamente com Lenin e concordou com este de que se sob certas circunstâncias, dentre as quais a retomada das operações militares pelos alemães, abandonaria sua política em favor de Lenin. Este último, então, perguntou: “Mas nesse caso você não apoiaria a palavra-de-ordem de guerra revolucionária, não é mesmo?” A resposta de Trotsky foi taxativa: “Sob circunstância alguma”. “Então”, ponderou Lenin, “o experimento pode não ser tão perigoso”. E a seguir concluiu jocosamente: “Nós só corremos o risco de perder Estônia ou Letônia em troca de uma boa paz com Trotsky”. [30]Obviamente, uma conversa como essa não poderia se sobrepor, a não ser em uma autocracia, às decisões do Comitê Central e do Congresso dos Soviets. Foi portanto com o mandato imperativo outorgado pelo partido e pelos soviets que Trotsky conduziu seu comportamento nas negociações de Brest Litovsk.

Durante os primeiros momentos das negociações a posição de Trotsky se revelou a mais adequada e um ponto de convergência entre as diferentes posições no interior do partido. Também permitiu evitar uma ruptura que pareceu a todos premente. Lenin, sem dúvida, a considerava um mal menor quando comparada à posição de Bukharin como fica claro em suas teses e nas diferentes ênfases de seu discurso. A posição de Trotsky, sintetizada na expressão “nem paz, nem guerra”, pretendia “esgotar as potencialidades revolucionárias e convencer os proletários do Ocidente da intransigência dos bolcheviques com respeito ao imperialismo austro-alemão.” [31]

Não era fácil, entretanto, convencer o proletariado europeu das intenções do novo governo soviético. Na social-democracia alemã ninguém entendia a atitude dos bolcheviques. Lenin relatou possuir um documento no qual as posições de duas frações do centro da social-democracia alemã estavam expressas: uma delas achava que os bolcheviques haviam se vendido ao alto-comando alemão e que as negociações de Brest-Litovsk eram jogo de cena; a outra, da qual Kautsky era mais próximo, não questionava a integridade dos bolcheviques, mas considerava sua conduta um “enigma psicológico”. [32]Mesmo na Rússia, liberais, mencheviques e populistas consideravam as negociações com os alemães como puro jogo de cena. [33]

A atitude de Rosa Luxemburg a respeito das negociações em Brest-Litovsk ilustra essa confusão. Em janeiro de 1918, a revolucionária alemã escreveu que os russos estavam escolhendo entre reforçar a Entente ou o imperialismo alemão. [34]Acreditava que a primeira consequencia do armistício era o deslocamento de tropas para o Oeste e o recrudescimento do insano morticínio que caracterizava a guerra imperialista. Esta opinião perdurou e ela voltou a escrever, em setembro do mesmo ano, que a capitulação dos bolcheviques em Brest-Litovsk teve como conseqüência um enorme reforço da política imperialista pangermânica e o enfraquecimento da revolução alemã. [35]Porém, o amigo de Luxemburg, Karl Liebknecht compreendeu melhor os objetivos da política de Trotsky em Brest Litovsk:

“É fácil condenar agora os erros de Lenin e Trotsky. Não é exato que a evolução futura da solução atual será pior do que seria um retorno ao começo de fevereiro em Brest. O contrário é o verdadeiro. Tal retorno teria feito aparecer a imposição final como uma vis haud ingrata. O cinismo espantoso, a crueldade bestial da exigência final alemã fizeram desaparecer todas as suspeitas. Do ponto de vista da propaganda revolucionária o efeito estimulante compensou muito o efeito calmante.” [36]

O texto de Liebknecht permite compreender o impacto do adiamento do acordo sobre a consciência do proletariado europeu. A postergação do desfecho permitiu denunciar as intenções belicistas alemãs e seu propósito de aniquilar o regime dos soviets. Escrevendo em 1926 a respeito da política externa soviética Christian Rakovsky registrou: “Se a vitória material ficou com a Alemanha e a Áustria, a vitória moral coube à delegação soviética”. [37]A frase de Rakovsky não era tentativa de salvar politicamente uma derrota. Quando Rakovsky escreveu seu artigo, em 1926, já se sabia o resto da história. Comprometidos com a frente ocidental, os alemães não tinham força para aniquilar o poder dos soviets. Pretendiam apoderar-se das reservas de trigo e carvão da Ucrânia, necessárias para a continuidade da guerra e deslocar seus exércitos para o Oeste o mais rápido possível. Ao mesmo tempo, a irrepreensível conduta bolchevique em Brest-Litovsk alimentou a revolução na própria Alemanha. Em novembro de 1918 soviets de operários e soldados foram constituídos em Berlim, o Kaiser Guilherme II foi derrubado, a república proclamada e o tratado imposto aos soviéticos cancelado. [38]

Sob vários aspectos a política de Trotsky era extremamente realista. Ele estava disposto esgotar todo o tempo possível, adiando ao máximo a assinatura da paz, mesmo correndo o risco de uma nova ofensiva alemã. Sua posição implicava em uma firme oposição à política da guerra revolucionária e pretendia ganhar tempo. Nesses pontos ela era completamente coincidente com os propósitos de Lenin. Trotsky, entretanto, não era tão favorável quanto Lenin a aceitar as condições dos alemães. Mas também não considerava que a fórmula “nem paz, nem guerra” fosse um princípio e estava disposto a assinar a paz aceitando as condições, caso ficasse claro que os alemães promoveriam uma nova ofensiva sobre o território soviético.

As negociações com os alemães deixaram de avançar na segunda semana de janeiro e se tornaram rapidamente inúteis. [39]Os alemães insistiam que a Ucrânia estivesse representada na reunião pelo governo burguês da Rada. Trotsky havia questionado essa participação, mas a aceitou enquanto esse governo manteve-se no poder em Kiev. No dia 21 de janeiro (3 de fevereiro) Trotsky recebeu por rádio uma mensagem de Lenin: “A Rada de Kiev caiu. Todo o poder na Ucrânia está em mãos do soviet.” A mensagem também informava a respeito dos sucessos obtidos na Finlândia, na região do Don e, finalmente, em Berlim e Viena, onde haviam sido criado soviets operários. Eufórico, Lenin escrevia: “Correm rumores de que Karl Liebknecht foi posto em liberdade e pronto liderará o governo alemão” [40]Os alemães responderam com uma provocação, assinando uma paz em separado com a Rada, um governo que não existia mais.

A agitação operária em Berlim e Viena teve o paradoxal efeito de fortalecer a facção belicista entre os negociadores alemães. Guilherme II ordenou, então ao chefe da delegação alemã em Brest-Litovsk, Von Kuhlmann, que apresentasse um ultimato aos russos. [41]Em 28 de janeiro (10 de fevereiro pelo calendário ocidental) o general Hoffmann, representante do Estado Maior alemão nas negociações deu o passo decisivo, exibindo um mapa no qual eram mostradas as anexações propostas pelos alemães e anunciando o ultimatum. Trotsky consultou Lenin a respeito e este respondeu em um telegrama: “Você conhece nosso ponto de vista; só foi confirmado ultimamente, principalmente depois da carta de Ioffe. Repetimos uma vez mais que não ficou nada da Rada de Kiev e que os alemães se verão obrigados a reconhecer isso, se já não o fizeram. Mantenha-nos informados. Lenin.” [42]

Quando os representantes da Alemanha e da Rússia soviética se reuniram novamente para apreciar o ultimato anunciado por Hoffmann, Trotsky anunciou, com base no mandato recebido pelo partido e pelos soviets, que o governo soviético considerava unilateralmente encerrada a guerra:“Entrego aos Delegados da Aliança [Potências Centrais] a seguinte declaração escrita e assinada: ‘Em nome do Conselho dos Comissários do Povo, o governo da República Federal Russa informa os Governos e povos unidos em Guerra contra nós, os países da Aliança e neutrais, que se recusando a assinar uma paz de anexações, a Rússia declara, por seu lado, que o estado de guerra com a Alemanha, Áustria-Hungria, Turquia e Bulgária está encerrado. As tropas russas estão recebendo neste momento uma ordem para a desmobilização geral em todas as linhas do front.” [43]

A reação dos alemães foi de espanto. Todos ficaram em silêncio tentando compreender o que acontecia, até que o general Hoffmann gritou escandalizado: “Unerhort! (Inacreditável!)” A teatral retirada dos bolcheviques tinha o claro propósito de evidenciar a culpa dos alemães no fracasso das negociações de paz. No dia 14 de fevereiro, já em Moscou, Trotsky apresentou seu relatório sobre as negociações em Brest-Litovsk para o Comitê Central Executivo dos Soviets. Ao final da sessão, uma declaração oficial informou que “uma resolução foi votada a qual aprovou o conjunto da política da Delegação a Brest-Litovsk do Conselho de Comissários do Povo”. [44]

Imediatamente os alemães anunciaram que uma nova ofensiva sobre o território soviético teria lugar dentro de dois dias, violando o acordo inicial assumido em Brest Litovsk que previa um aviso com sete dias de antecedência. A ofensiva teve início no dia 17 de fevereiro. Na reunião do Comitê Central realizada no mesmo dia Trotsky votou com os “comunistas de esquerda” uma moção contrária a novas negociações de paz esperando notícias mais precisas sobre o avanço alemão. Mas no dia seguinte, quando essas notícias chegaram, Trotsky votou com Lenin. Quando os alemães apresentaram suas condições ainda piores para uma paz, Trotsky apesar de considerá-las humilhantes votou novamente, na reunião do Comitê Central do dia 23 de fevereiro, a favor da proposta pacifista defendida por Lenin. Embora a paz tivesse sido assinada em 3 de março, as exigências dos alemães continuaram e não estava descartado um ataque alemão. Mesmo assim o 7º Congresso Extraordinário do Partido Bolchevique da Rússia aprovou, em 6 de março, a ratificação do acordo, mais uma vez com o voto de Trotsky. Foi nessa ocasião que Lenin pronunciou o discurso citado por Urbano Rodrigues:

“Devo referir-me agora à posição do camarada Trotsky. Na sua actuação devemos distinguir duas fases: quando iniciou as negociações de Brest, utilizando-as excelentemente para a agitação, todos estivemos de acordo com ele. Trotsky citou parte de uma conversa comigo, mas devo acrescentar que concordamos manter-nos firmes até ao ultimato dos alemães, mas cederíamos após ele. Os alemães intrujaram-nos porque de sete dias roubaram-nos cinco. A táctica de Trotsky foi correcta enquanto se destinou a ganhar tempo; tornou-se equívoca quando se declarou o fim do estado de guerra, mas não se assinou a paz. Eu tinha proposto com toda a clareza que se assinasse a paz de Brest”. [45]

Lenin considerava que essa diferença com Trotsky era “historia passada, que não vale a pena recordar”. [46]De fato, era história que havia sido resolvida mediante votações no Comitê Central e no Congresso dos Soviets. O desacordo de Lenin com Trotsky era agora outro e não dizia respeito à assinatura da paz com os alemães e sim à assinatura da paz com o governo da Rada na Ucrânia, reinstituído em Kiev pelos alemães. No Congresso do Partido, Trotsky era favorável a aceitar os termos do acordo impostos pelos alemães, mas encaminhou um adendo à proposta de Lenin recusando explicitamente a assinatura de qualquer futuro acordo de paz com a Rada. Lenin se manifestou contrariamente a essa proposta, mas não se declarou favorável a assinatura de qualquer acordo com a Rada. Argumentou, pelo contrário, que “tudo depende da correlação de forças e do momento em que se produza a ofensiva de uns ou outros países imperialistas contra nós.” [47]

Após o Congresso adotar uma resolução na qual as novas condições para a paz impostas pelos alemães foram aceitas, teve lugar a eleição do Comitê Central do partido Bolchevique. O resultado dessa eleição é muito importante para avaliar o peso político dos diferentes dirigentes soviéticos. Lenin e Trotsky foram os mais votados, com 37 votos cada um; Bukharin obteve 36; Smirnov, 32; Zinoviev, 30; Skolnikov, 25; Stalin, 21; Radek, 19; e Obolensky, 7. Com a exceção de Lenin, que morreu em 1924 devido as seqüelas provocas por um atentado, todos os demais foram executados por ordem de Stalin. [48]

“As cabeças pensantes da revolução”

Um ponto central no argumento de Urbano Rodrigues é sua interpretação da passagem acima transcrita do informe político de Lenin ao 7º Congresso. Segundo o jornalista:

“A transcrição (parte de uma intervenção extensa) é esclarecedora porque a posição assumida por Trotsky (‘nem paz nem guerra’), ignorando as instruções de Lenine, levou os alemães a romper a trégua e desencadear uma ofensiva de consequências desastrosas, ocupando enormes extensões do país. Quando o Tratado de Paz foi finalmente assinado, as condições impostas foram muito mais severas do que as inicialmente apresentadas pelo Império Alemão.”

A transcrição é mesmo uma pequena parte de um texto muito mais extenso. Na edição das Obras completas, são trinta páginas nas quais em sua maior parte Lenin rebate os argumentos favoráveis à “guerra revolucionária” e em apenas três delas se dedica a discutir a posição de Trotsky. Lenin jamais afirmou que Trotsky agiu “ignorando (su)as instruções”. A razão para nunca ter afirmado isso é simples: não poderia fazê-lo a menos que sugerisse que Trotsky deveria ter rompido a disciplina do partido e dos soviets e o mandato para não assinar a paz que estes lhe haviam outorgado na reunião do dia 11 de janeiro. Lenin não concordava integralmente com a proposta aprovada nessa reunião, mas havia aquiescido com sua implementação e, por essa razão, não deixou de aprovar o conjunto da ação do representante dos soviets em Brest-Litovsk, conforme a moção votada pelo Comitê Executivo dos Soviets aqui citada. É por esse motivo que Lenin afirmou que “todos estivemos de acordo com ele (Trotsky)”.

No 7º Congresso, como visto anteriormente, o desacordo de Lenin com Trotsky dizia respeito ao acordo com a Rada ucraniana: “Às novas demandas que formula Trotsky, de que ‘prometa não assinar a paz com Vinnichenko [o líder da Rada]’, lhe respondo de que maneira nenhuma me comprometerei com qualquer coisa semelhante”. [49] A paz com a Rada, de fato não foi assinada, como queria Trotsky. Os alemães logo depuseram o governo ucraniano e o substituíram por um novo títere, deixando claro, desta vez que não tinham o menor interesse na auto-determinação ucraniana, como argumentavam na mesa de negociações em Brest-Litovsk.

A versão da infame História do Partido Comunista da União Soviética (Bolchevique) é, nesse aspecto, condizente e similar em seus termos com a de Urbano Rodrigues, uma vez que ela afirma, como já visto, que Trotsky “traiçoeiramente violou as instruções diretas do Partido Bolchevique”. Que “instruções” são essas às quais tanto Stalin como Urbano Rodrigues coincidentemente fazem referência? Elas só poderiam provir da conversa particular entre Lenin e Trotsky sobre a qual ambos fizeram referências no debate do 7º Congresso, mas que não era do conhecimento do partido até esse momento, ou, então, do telegrama de Lenin, do dia 28 de janeiro no qual ele dizia apenas: “Você conhece nosso ponto de vista”. Trotsky conhecia esse “ponto de vista”, sabia a diferença que existe entre um “ponto de vista” e uma instrução e, least but not least, estava ciente de que a posição de Lenin era, até então, minoritária no partido.

O estudo dos debates no interior do partido Bolchevique, à luz do contexto histórico no qual tiveram lugar, pode demonstrar a complexidade situação vivida e das posições políticas neles defendidas. Brest-Litovsk não foi uma exceção. A historiografia stalinista simplificou enormemente esses debates apresentando-os sempre de modo maniqueísta. Urbano Rodrigues não fez diferente. Desse e de outros episódios nos quais Lenin e Trotsky divergiram, todos analisados de modo constrangedoramente superficial e a partir dos mesmos precários documentos concluiu:

“a tentativa dos seus epígonos e de Historiadores burgueses de o guindar a ‘companheiro de Lenine’, colocando-o ao nível do líder da Revolução, falseia grosseiramente a História. Trotsky não foi nem o revolucionário puro que os trotskistas veneram como herói da humanidade, nem o traidor fabricado por Stáline.”

Evidentemente não faltaram aqueles que procuraram canonizar Trotsky ou transformar o trotskismo em uma espécie de religião. Tendências similares podem ser encontradas em outros movimentos políticos vinculados à história do movimento operário, mas nenhum deles foi tão longe na mistificação como o stalinismo. As quatro mais importantes biografias sobre Leon Trotsky escritas a partir de perspectivas que simpatizam com o revolucionário russo – a de Deutscher, Cliff, Brouè e Marie – estão muito longe de considerar Trotsky um revolucionário puro e analisam de modo detalhado as diferenças entre ele e Lenin.

Mas afirmar que Trotsky não era, aos olhos do movimento comunista internacional de sua época, “companheiro de Lenin”, isto sim “falseia grosseiramente a História”. Antes mesmo da fundação da Internacional Comunista os nomes de Lenin e Trotsky vinham juntos na imprensa socialista. Rosa Luxemburgo, conhecedora profunda dos assuntos russos, por exemplo, escrevia, em 1918, a respeito das “cabeças pensantes da revolução russa, Lenin e Trotsky” e referia-se aos “políticos geralmente lúcidos e críticos que são Lenin, Trotsky e seus amigos”. [50]Também não poupava elogios ao registrar: “Toda a coragem, a energia, a perspicácia revolucionária, a lógica da qual um partido revolucionário pode fazer prova em um momento histórico, tiveram Lenin, Trotsky e seus amigos”. [51]A identidade estratégica entre Lenin e Trotsky era, para ela, total a ponto de referir-se à “teoria da ditadura segundo Lenin e Trotsky” e, logo adiante, para simplificar, unir exageradamente os dois personagens em um só, escrevendo sobre a “teoria de Lenin-Trotsky”. [52]A referência conjunta a “Lenin e Trotsky” era comum também nos textos de Karl Liebknecht. [53]Nem Luxemburg, nem Liebknecht fizeram ao longo de seus escritos referência a Stalin, até então um completo desconhecido. Sabe-se que os dirigentes da Liga Spartacus não eram epígonos de Trotsky. Seriam eles, então, os “historiadores burgueses” aos quais o jornalista faz referência?

A relação entre Lenin e Trotsky foi sempre psicologicamente tensa, mas de mútuo respeito e admiração. Seria um equívoco comparar essa relação, com os profundos laços de amizade que uniram Marx e Engels. Politicamente, os dois dirigentes soviéticos divergiram entre si um grande número de vezes, mas a partir de 1917 a convergência estratégica entre ambos tornou-se profunda. Lenin retornou à Rússia em abril e anunciou sua nova posição na qual abandonava a palavra de ordem de “ditadura democrática do proletariado e dos camponeses”. Em agosto do mesmo ano, Trotsky aderiu ao Partido Bolchevique. Uma nova fase dessa complexa relação teve início. Essa convergência não impediu que tivessem idéias próprias e muitas vezes conflitantes sobre vários pontos. Suas personalidades eram fortes e defendiam seus pontos de vista de modo enfático. Não eram os únicos a proceder desse modo no interior do Partido Bolchevique. Após a morte de Lenin teve início uma dura luta política e ideológica no interior do Partido Bolchevique.

Para sustentar as novas posições de poder ocupadas depois da morte de Lenin, Zinoviev, Kamenev e Stalin lançaram uma ofensiva sobre a história da revolução russa, procurando diminuir o lugar de Trotsky nela e afastá-lo do legado lenineano. Lenin anteviu esse movimento e, por essa razão, em seu testamento escreveu que o fato de Trotsky não ser um velho bolchevique não o desmerecia e era coisa que deveria ser deixada para trás. Certamente não o foi. Trotsky respondeu com todas suas energias esse ataque levado a cabo sobre o terreno da história e produziu como resposta algumas das obras-primas da historiografia marxista: A revolução desfigurada (1929), Minha vida (1930) e História da Revolução Russa (1932). Mas por razões de ordem política optou por diminuir suas opiniões sempre que estavam confrontadas com Lenin. Continuar a insistir com isso é um erro. Lenin e Trotsky precisam recuperar seu lugar real como homens de grande envergadura política, moral e intelectual, mas também como seres humanos que cometiam erros e refletiam a respeito deles. Mas para tal é preciso responder vivamente cada vez que as velhas e desgastadas idéias do antitrotskismo staliniano reaparecem. Golpe a golpe; verso a verso.

NOTAS* Professor do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas, diretor do Centro de Estudos Marxistas (Cemarx) e secretário de redação da revista Outubro.

[1]Miguel Urbano Rodrigues. Apontamentos sobre Trotsky: o mito e a realidade. O Diario.info, 11 dez. 2008. Disponível em: http://www.odiario.info/articulo.php?p=973&more=1&c=1

[2] E. H. Carr. The Bolshevik Revolution 1917-1923. New York : MacMillan, 1950-1953, 3v.

[3] Leon Trotsky. Ma vie. Paris: Gallimard, 1953, p. 592.

[4] Leon Trotsky. Ce que je pense de Staline. In: Oeuvres. Grenoble: Institut Leon Trotsky, 1986, p. 214.

[5] P. ex. V. I. Lenin. Trotzky julgado por Lenine. Rio de Janeiro: Calvino, s.d..

[6] Central Comitte of the C.P.S.U(b). History of the Communist Party of the Soviet Union (Bolsheviks). Nova York, International Publisher, 1939. Para os antecendentes desse livro, bem como para a questão de sua autoria, ver Raymond Garthoff. The Stalinist revision of History: the case of Breast-Litovsk. World Politics, v. 5, n.1, p. 66-85, 1952.

[7] O arqui ou arqueostalinismo ainda persiste. Em uma bizarra biografia de Stalin na qual seu autor procura construir uma aparência de cientificidade citando alguns estudos pouco conhecidos ao mesmo tempo em que trunca e descontextualiza as citações de praxe, é afirmado: “Com efeito, em 1936, estava evidente para qualquer pessoa, analisando lucidamente a luta de classes no nível internacional, que Trotski tinha degenerado a ponto de se tornar um joguete das forças anticomunistas de todo gênero”. O mesmo biografo justifica os processos contra Piatakov afirmando que ele “tinha utilizado em grande escala especialistas burgueses para sabotar as minas”. A acusação é ridícula, mas o autor a torna mais grave, uma vez que a atribúi aos trotskistas, sem mencionar que no final da década de 1930 Piatakov havia rompido com Trotsky (ver Ludo Martens. Stalin: um novo olhar. Rio de Janeiro: Revan, 2003, p. 178 e 185).

[8] Robert H McNeal. The revival of Soviet anti-trotskysm. Studies in comparative Communism. V. X, n. 1-2, p. 5-17, 1977. Gabriel García Higueras. Trotsky em El espejo de la história. Lima: Tarea Educativa, 2005, p. 228

[9] M. I. Basmanov. La esencia antirrevolucionaria del trotskismo contemporâneo. La Habana: Ciencias Sociales, 1977; Os trotskistas e a juventude. 2 ed. Lisboa : Estampa, 1975; La fraseología “izquierdista” al servicio de los enemigos de la paz: el trotskismo y la distensión internacional. Moscovo: Nóvosti, 1975, M. I. Basmanov et al. El falso profeta: Trotski y el trotskismo. Moscou: Progresso, 1986; e Léo Figuères. O trotskismo. 2 ed.. Lisboa: Estampa, 1974.

[10] A vertente liberal pode ser ilustrada por Joel Carmichael. Trotsky: an appreciation of his life. London: Hodder and Stoughton, 1975. A vertente pós-soviética é representada, dentre outros, por Dmitrii Antonovich Volkogonov. Trotsky: the eternal revolutionary. New York: The Free Press, 1996; Ian D. Thatcher. Trotsky. London: Routledge, 2003 e Geoffrey Swain. Trotsky. Londres: Longman, 2006. Embora Urbano Rodrigues goste de inventar paradoxos, não se deu conta do paradoxo que representa a existência, ao lado do antitrotskismo staliniano de outros – liberal e pós-soviético – que apresentam grande coincidência de argumentos com o primeiro, embora com propósitos diferentes.

[11] Kostas Mavrakis. Du trotskysme: questions de theorie et d histoire. Paris: F. Maspero, 1971 e J. V. Stalin. On the opposition, 1921-1927. Pequim: Foreign Languages Press, 1974. Alguns desses textos de Stalin foram republicados logo a seguir em Portugal Josef Stalin. Escritos sobre o trotskismo, 1924-1937: Trotskismo ou leninismo?. [Lisboa]: Pensamento e Acção, 1975 e Trotskismo ou leninismo. Lisboa: Seara Vermelha, 1976.

[12] Quem quer que conheça as obras de Lenin e Trotsky saberá que não havia uma “veemência verbal pouco comum”, como afirma Urbano Rodrigues. Os termos utilizados no debate não diferem daqueles que dirigiram a outros bolcheviques em ocasiões diversas. Podem-se censurar os excessos retóricos que marcavam o modo russo de conduzir o debate político, mas enquanto Lenin viveu essa veemência não se transformou em insultos ou falsas acusações como ocorreu com a publicística staliniana após 1924.

[13] Alfred Rosmer. Moscou sous Lénine. Paris: Maspero, 1970 e Gerard Rosenthal. Avocat de Trotsky. Amadora: Bertrand, 1975.

[14] Isaac Deutscher. Trotski. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, 3 v.; Pierre Brouè. Trotsky. Paris: Fayard, 1988; Tony Cliff. Trotsky. Londres: Bookmarks, 1990, 4v.; e Jean-Jacques Marie. Trotsky: révolutionnaire sans frontières. Paris: Payot, 2006. Urbano Rodrigues cita Deustcher, mas claramente desconhece a obra de Brouè, Cliff e Marie, uma vez que afirma que nas últimas décadas não foram publicados “livros importantes que acrescentem algo de significante”. Sobre esses autores é preciso esclarecer que Deutscher afastou-se das idéias de Trotsky e da Quarta Internacional, o que fica evidente no terceiro volume de sua biografia.

[15] Central Comitte of the C.P.S.U(b). History of the Communist Party of the Soviet Union (Bolsheviks). Nova York, International Publisher, 1939, p. 218.

[16] Last Plea of Bukharin. The Slavonic and East European Review, v. 17, n. 49, 1938, p. 128-129.

[17] Raymond Garthoff. Op. cit., p. 71.

[18] Central Comitte of the C.P.S.U(b). Op. cit., p. 216.

[19] Idem, p. 217.

[20] V. I. Lenin. Una seria lección y una seria responsabildad. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 285.

[21] Central Comitte of the C.P.S.U(b). Op. cit., p. 216.

[22] Isaac Deutscher. Trotski: o profeta armado, 1879-1921. 2 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 397 e Sydney D Bailey. Stalin’s falsification of history: the case of the Brest Litovsk treaty. Russian Review, v. 14, n. 1, 1955, p. 26.

[23] John W. Wheeler-Bennett. Brest-Litovsk: the Forgotten Peace, March 1918 . London : Macmillan, 1938, p. 191 (o livro de Wheeler-Bennett, um historiador conservador, permanece até o momento uma fonte incontornável pela sua riqueza de detalhes ) e Leon Trotsky. Ma vie. Paris: Gallimard, 1953, p. 453-454.

[24] V.I. Lenin. Para La historia de uma paz infortunada. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 118-126.

[25] V.I. Lenin. Discursos sobre la guerra y la paz en una reunión del CC Del POSDR(b), 11 (24) de enero de 1918. Acta. Op. cit., p. 132.

[26] V.I. Lenin. Discursos sobre la guerra y la paz en una reunión del CC Del POSDR(b), 11 (24) de enero de 1918. Acta. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 132.

[27] Isaac Deutscher. Op. cit., p. 398.

[28] Victor Serge. O ano I da Revolução Russa. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 199.

[29] Isaac Deuscher. Trotski: o profeta armado, 1879-1921. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1984, p. 398-399; E. H. Carr. Op. cit., v. 3 e Jean-Jacques Marie. Op. cit., p. 156. Agradeço a Gabriel García higueras por ter me chamado a atenção sobre a interpretação de Jean-Jacques Marie.

[30] John W. Wheeler-Bennett. Op. cit., p. 192-193. Embora não cite a fonte do diálogo Wheeler-Bennett baseia sua reconstrução evidentemente em relato de Trotsky (cf. Leon Trotsky. Ma vie. Op. cit., p. 454).

[31] Victor Serge. O ano I da Revolução Russa. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 220.

[32] V.I. Lenin. Discursos sobre la guerra y la paz en una reunión del CC Del POSDR(b), 11 (24) de enero de 1918. Acta. Op. cit., p. 130. Ver, tb., Leon Trotsky. Ma vie. Op. cit., p. 451.

[33] Leon Trotsky. Ma vie. Op. cit., p. 440.

[34] Rosa Luxemburg. La responsabilitè historique. In: Oeuvres. Paris, Maspero, 1962, v. II, p. 43.

[35] Rosa Luxemburg. La tragédie russe. In: Oeuvres. Paris, Maspero, 1962, v. II, p. 47.

[36] Karl Libknecht. Militarismo, guerre, revolution. Paris: Maspero, 1970, p. 189. Leon Trotsky cita essa mesma passagem com a exceção da primeira e da última frase (cf. Leon Trotsky. Ma vie. Op. cit., p. 461-462) e, com base nela, comenta a evolução política de Libekknecht. Vis haud ingrata é uma violência não indesejada.

[37] Christian Rakovsky. The Foreign Policy of Soviet Russia. Foregin Affairs, Jun. 1926, p. 577.

[38] Ver os documentos em John W. Wheeler-Bennett. Op. cit., appendix X-XI.

[39] Ver a esse respeito John W. Wheeler-Bennett. Op. cit., cap. VI.

[40] V. I. Lenin. Por radio. A todos, en especial a la delegación de paz en Brest Litovsk. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 190.

[41] Cf. Victor Serge. O ano I da Revolução Russa. São Paulo: Boitempo, 2007, p. 204-205.

[42] V. I. Lenin. A Trotski. Delegación rusa de paz. Brest-Litovsk. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 201.

[43] Apud John W Wheeler-Bennett. Op. cit., p. 227.

[44] Judah L. Magnes. Russia and German at Brest Litovsk: a documentary history of peace negociations. Nova York: The Rand School of Social Sciences, 1919, p. 134 (grifos meus). Segundo Bailey, essa resolução foi proposta por Sverdlov, o qual estava incondicionalmente aliado a Lenin nesse debate (cf. Sydney D Bailey. Stalin’s falsification of history: the case of the Brest Litovsk treaty. Russian Review, v. 14, n. 1, 1955, p. 27).

[45] Transcrevemos o texto conforme Urbano Rodrigues. A íntegra do informe de Lenin com a referida passagem está em V. I. Lenin. Palabras finales para el informe político del Comitê Central. 8 de marzo. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 315-323. Em uma nota de rodapé Urbano Rodrigues esclarece que sua citação de Lenin foi extraída de “V. I. Lenine, Textos extraídos das Obras Completas de Lenine, Ed. Estampa, Lisboa 1977, pág 260”. Não existe livro com esse título e, por isso, permanece desconhecida a fonte do jornalista Urbano Rodrigues. Na mesma cidade, na mesma editora e no mesmo ano, foi publicada uma coletânea de Lenin intitulada Contra o trotskismo (Lisboa: Estampa, 1977).

[46] Idem, p. 319.

[47] V. I. Lenin. Intervenciones contral las enmiendas de Trotski a la resolución sobre La guerra y La paz. 8 de marzo. In: Obras completas. Madri: Akal, 1976, v. XXVIII, p. 325.

[48] Cf. Raymond L. Garthoff. Op. cit., p. 78.

[49] Idem.

[50] Rosa Luxemburg. La revolution russe. Oeuvres. Paris, Maspero, 1962, v. II, p. 58 e 70.

[51] Idem, p. 65.

[52] Idem. 83 e 87

[53] Karl Liebknecht. Op. cit., p. 188, 189.



Uma polêmica interessante!

Aí pessoal, no final do ano passado se abre uma nova(velha)polêmica no interior da esquerda mundial. O Miguel Urbano, comunista do velho PC Português, lança um texto chamado "Trotsky - entre o mito e a realidade."

O Mario Maestri respondeu a altura, esse foi um dos textos que eu vi de resposta, penso que essa polêmica ainda dev render alguns frutos, e aqui dedico um pequeno espaço do meu blog para essa polêmica que resgata o velho dom do Stalinismo em fantasiar a vida desse grande revolucionário, que foi Trotsky!

Enfim, abaixo segue os dois textos, o do Miguel Urbano e o do Mario Maestri!


Apontamentos sobre Trotsky — O mito e a realidade
Miguel Urbano rodrigues

Transcorridas quase duas décadas sobre a desagregação da União Soviética, pouco se escreve e fala sobre Gorbatchov. Os grandes media internacionais quase esqueceram o político e o homem que guindaram a herói da humanidade quando contribuía decisivamente, através da perestroika, para a reimplantação do capitalismo na Rússia.
Paradoxalmente, Trotsky continua a ser um tema que fascina muitos intelectuais da burguesia, alguns progressistas, e dezenas de organizações trotskistas na Europa e sobretudo na América Latina.
Sobre o homem e a obra não foram nas últimas décadas publicados livros importantes que acrescentem algo de significante aos produzidos pelos seus biógrafos, nomeadamente a trilogia do Historiador polaco Isaac Deutscher.
Nem um só dos partidos e movimentos trotskistas conseguiu afirmar-se como força politica com influência real no rumo de qualquer país.
Porquê então a tenaz sobrevivência, não direi do trotskismo, mas do nome e de algumas teses do seu criador no debate de ideias contemporâneo? Isso não obstante ser hoje pouco frequente a reedição dos seus livros.
A contradição encaminha para uma conclusão: uma percentagem ponderável dos modernos trotskistas desconhece a obra teórica e a trajectória politica de Trotsky.
Cabe chamar a atenção para o facto de a maioria dos intelectuais burgueses das grandes universidades do Ocidente que assumem a defesa e a apologia da intervenção de Trotsky na História serem anticomunistas. O seu objectivo precípuo é combater a URSS e o que a herança da Revolução de Outubro significa para a humanidade. Trotsky e Stáline são utilizados por esse tipo de "sovietólogos" como instrumentos na tarefa de combater e desacreditar o comunismo.
Nos movimentos trotskistas confluem jovens com motivações e comportamentos sociais muito diferentes. À maioria ajusta-se a definição que Lenine deu a certos esquerdistas: "pequeno burgueses enraivecidos". Frustrados, expressam a sua recusa do capitalismo na adesão a projectos radicais de transformação rápida da história.
Quase todos, – como aconteceu aos líderes do Maio de 68 parisiense – voltam a integrar-se no sistema após uma breve militância pseudo-revolucionária.
A mitificação de Trotsky
As campanhas anti-Trotsky promovidas pelos partidos comunistas na época de Stáline produziram globalmente um efeito contrário ao visado. Facilitaram o aparecimento em muitos países de organizações trotskistas e criaram condições favoráveis à mitificação de Trotsky.
Intelectuais burgueses e exilados russos, muitos deles ex-comunistas, deram uma importante contribuição para criar e difundir a imagem de um Trotsky imaginário. Os grandes diários do Ocidente, do The New York Times ao Guardian, abriram as suas colunas a essas iniciativas. Compreenderam que a transformação de Trotsky no herói revolucionário puro, vítima da engrenagem trituradora de um sistema monstruoso, daria maior credibilidade às campanhas contra a União Soviética.
A glorificação de Trotsky é um fenómeno tão lamentável, por falsificar a História, como a diabolização da União Soviética, inseparável da visão da época de Stáline como um tempo de horrores.
Cabe aos epígonos de Stáline – repito – uma grande responsabilidade pelo êxito no Ocidente da tentativa de utilizar a vitimização de Trotsky como arma do anticomunismo.
A historiografia soviética não se limitou a negar a Trotsky um papel minimamente importante na preparação da Revolução de Outubro e na sua defesa. Nos Processos de Moscovo Trotsky é acusado em alguns depoimentos de agente de Hitler que teria levado a sua traição ao ponto de preparar com o III Reich nazi o desmembramento da jovem república soviética.
Esse tipo de calúnias é tão absurdo, como expressão de um ódio irracional, como o esforço realizado por escritores anticomunistas e alguns governos para criminalizarem o comunismo como sistema comparável ao fascismo. A falsificação das estatísticas foi levada tão longe que alguns autores acusam Stáline de ter exterminado ou enviado para campos siberianos mais de cem milhões de pessoas1. A atribuição do Nobel de Literatura a um escritor reaccionário tresloucado como Solzenitzyn (que se orgulhava de odiar a Revolução Francesa) traduziu bem a necessidade que a burguesia sentia no Ocidente de satanizar a União Soviética, negando a herança progressista e humanista da Revolução de Outubro.
É nesse contexto que se insere o reverso da medalha, isto é a reinvenção de Trotsky.
Duas obras do próprio Trotsky e a trilogia de Deutscher – o Profeta Armado, o Profeta Desarmado e o Profeta Banido – funcionaram também como estímulos na fabricação do mito2.
Trotsky, em "A Minha Vida"3, a sua autobiografia, não atribui grande significado às divergências entre ele e Lenine durante os anos que precederam a Revolução de Fevereiro de 17. E na sua "História da Revolução Russa"4 valoriza muito as convergências desde o início da Revolução de Outubro e são escassas as referencias a questões fundamentais em que assumiram posições diferentes, por vezes antagónicas. Somente nos ensaios editados sob o título de "A Revolução Permanente"5, ao responder a criticas de Karl Radek e Stáline, reconhece que Lenine o criticou por divergirem no tocante ao papel dos sindicatos e ao Gosplan, mas subestima a importância dessas discordâncias. Simultaneamente, ao identificar em Lenine o grande líder da Revolução e expressar profunda admiração pelo ideólogo, o estratego e o estadista, encaminha, com habilidade, o leitor para a conclusão de que, no tocante aos problemas fundamentais da construção de uma sociedade socialista na Rússia revolucionária, existiu entre ambos nos últimos anos da vida de Lenine uma confiança mútua e uma grande harmonia no trabalho.
Tal conclusão deforma a História.
Deutscher, que se assume como um admirador entusiástico de Trotsky e confessa odiar Stáline, projecta uma imagem distorcida do biografado. Não esconde as divergências dele com Lenine, mas, procurando ser objectivo no relato dos factos, esforça-se por persuadir os leitores de que, nos últimos meses da sua vida, pressentindo a proximidade da morte, Lenine via em Trotsky o membro do Politburo mais indicado para lhe suceder na chefia do Estado Soviético.
A conclusão carece de fundamento, é puramente subjectiva.
O próprio Deutscher sublinha que a velha guarda bolchevique, embora reconhecendo o talento de Trotsky como estadista, nunca viu nele um homem do Partido. O seu passado, como menchevique, não fora esquecido. O carácter de Trotsky, a sua vaidade, o estilo autoritário, a sua tendência para a crítica demolidora quando discordava de companheiros de luta inspiravam desconfiança e até rancor.
É significativo que logo após a morte de Lenine, Olminski, muito ligado a Stáline, tenha proposto a publicação de uma carta datada de 1912, encontrada nos arquivos da Policia Czarista, na qual Trotsky, dirigindo-se a Tchkeidzé, um destacado contra-revolucionário, descrevia Lenine como "um intrigante" um "desorganizador" e um "explorador do atraso russo"6.
A sugestão não foi então atendida, mas na campanha contra Trotsky a recordação do seu passado anti-bolchevique tornou-se permanente e desempenhou um papel importante.
A carta de Lenine ao Congresso
Na fase final da sua doença, Lenine aproximou-se de Trotsky, mas não por ter reformulado a opinião que formara sobre ele. Quando Stáline na primavera de 1922 foi eleito secretário-geral do jovem Partido Comunista da União Soviética, Lenine, para lhe contrabalançar a influência, propôs a nomeação de quatro vice-presidentes para o Conselho dos Comissários do Povo, ou seja o governo. Trotsky foi um deles, Rikov, Tsurupa e Kamenev os outros.
Trotsky recusou. A simples ideia de partilhar o cargo de vice de Lenine com três camaradas – dois dos quais já o exerciam – feriu o seu desmesurado orgulho. Lenine sentiu decepção, mas por duas vezes insistiu sem êxito. Quando ele recusou novamente, Stáline levou o Politburo a aprovar, em Setembro de 22, uma resolução censurando Trotsky por indiferença perante o cumprimento do dever.
Lenine, defensor tenaz do papel dirigente do PCUS, era partidário de uma separação de tarefas entre o Partido e o Estado para evitar problemas graves que principiavam a esboçar-se.
Inválido, sentindo a proximidade da morte, ditou entre 23 e 31 de Dezembro de 1922 uma Carta ao XIII Congresso do Partido Comunista. Nessa importante mensagem transmitiu opiniões que iriam suscitar muita polémica, ao esboçar o perfil dos cinco camaradas que, com ele integravam o Politburo: Zinoviev, Kamenev, Stáline, Bukharine e Tomski (Kalinine e Piatakov eram suplentes e Molotov assessor).
Esse explosivo documento foi lido aos delegados ao Congresso, realizado em Maio de 1924, pela companheira de Lenine, Krupskaya, quatro meses após a sua morte. Mas, por iniciativa de Stáline aprovada pelo Politburo, a Carta não foi publicada. O povo soviético somente tomou conhecimento do seu conteúdo após o XX Congresso.
Lenine expressava muita preocupação pelo tenso relacionamento entre Stáline e Trotsky por identificar nele um perigo para a estabilidade do partido.
"O camarada Stáline – afirmava – tendo-se tornado secretário-geral, concentrou nas suas mãos um poder imenso, e não estou certo de que saiba sempre utilizar este poder com suficiente prudência. Por outro lado, o camarada Trotsky, como o demonstrou já a sua luta contra o CC a propósito da questão do Comissariado do Povo das Vias de Comunicação, não se distingue apenas pela sua destacada capacidade. Pessoalmente é talvez o homem mais capaz do actual CC, mas peca por excessiva confiança em si próprio e deixa-se arrastar excessivamente pelo aspecto puramente administrativo das coisas"7.
Numa adenda à carta de 24 de Dezembro, datada de 4 de Janeiro de 1923, Lenine lamenta que Stáline seja demasiado rude e acrescenta: "este defeito, plenamente tolerável no nosso meio e nas relações entre nós, comunistas, torna-se intolerável no cargo de secretário-geral. Por isso proponho aos camaradas que pensem na forma de transferir deste lugar e de nomear para este lugar outro homem que em todos os outros aspectos se diferencie do camarada Stáline apenas por uma vantagem, a saber: que seja mais tolerante, mais leal, mais cortês e mais atento para com os camaradas, menos caprichoso, etc."
Mas não sugeriu qualquer nome para a substituição de Stáline.
Quando Trotsky conversou com ele pela última vez, Lenine, cuja doença evoluiu rapidamente para o desfecho que todos temiam, pediu-lhe que colaborasse numa acção conjunta contra a burocratização do Partido e do Estado e de condenação da política repressiva que Stáline e Ordjonikidze tinham executado na Geórgia.
Mas são do domínio da fantasia as afirmações que atribuem a Lenine o desejo de ver Trotsky à frente do Partido ou do Estado.
Tal ideia – contra o que sugere Deutscher – nunca lhe terá aflorado o pensamento. Via nele o mais dotado intelectualmente dos líderes do Partido, mas incapaz de controlar "uma autoconfiança excessiva".
O Choque humano e ideológico
Durante muitos anos, desde o início do século até à Revolução de Fevereiro, Lenine criticou Trotsky com dureza e este retribuiu sempre.
Lenine, admirando o seu talento, identificava nele um oportunista e um conciliador. A sua relação com os mencheviques, partido a que pertenceu, inspirava-lhe profunda desconfiança. Não lhe apreciava o carácter, marcado por uma impulsividade e uma arrogância que o levavam a assumir posições imprevisíveis e com frequência contraditórias em bruscas reviravoltas.
A troca de acusações exprimiu-se em determinados períodos por uma veemência verbal pouco comum.
Após a expulsão de Trotsky do Partido, essas opiniões de Lenine, emitidas em reuniões do Partido Bolchevique, em documentos, e cartas pessoais, foram tornadas publicas na URSS e amplamente divulgadas em países estrangeiros.
Trotsky, como já recordei, tenta nos livros publicados no exílio ocultar ou desvalorizar o significado das suas divergências com Lenine, pondo toda a ênfase na colaboração entre ambos a partir da Revolução de Fevereiro de 1917.
Os seus biógrafos afirmam que após a Conferência de Zimmerwald, que condenou a guerra imperialista, as suas posições quase coincidiram com as assumidas pela fracção bolchevique do Partido Operário Social-Democrata da Rússia-POSDR. Não é essa a opinião de Lenine. Numa carta a Boris Souvarine, datada de Dezembro de 1916, Lenine lembra que Trotsky acusara os bolcheviques de "divisionistas". "Em Zimmerwald – sublinha – recusou incorporar-se na esquerda local e juntamente com a camarada Roland Horst (uma holandesa) representou o "centro"8.
Trotsky, vindo do Canadá, regressou à Rússia antes de Lenine. Numa carta à sua intima amiga Ines Armand, datada de 19 de Fevereiro de 1917, Vladimir Ilitch incluiu o seguinte desabafo: "Chegou Trotsky e este canalha entendeu-se imediatamente com a ala direita do “Novi Mir” contra os zimmerwaldistas de esquerda. Tal como lhe digo! Assim é Trotsky! Sempre fiel a si mesmo, revolve-se, trafulha, finge de esquerdista e ajuda a direita quando pode."9
Escritores trotskistas como Alfred Rosmer e Rosenthal omitem que meses depois da sua adesão ao Partido Bolchevique, quando já exercia funções de grande responsabilidade, como dirigente, Trotsky divergiu de Lenine em questões de grande importância em momentos cruciais.
A participação de Trotsky em Brest Litowski continua a ser tema polémico. Então Comissário do Povo para as Relações Exteriores, chefiou a delegação russa nas negociações de paz com os alemães.
Sobre o tema, dirigindo-se ao VII Congresso Extraordinário do Partido Bolchevique da Rússia, Lenine declarou:
"Devo referir-me agora à posição do camarada Trotsky. Na sua actuação devemos distinguir duas fases: quando iniciou as negociações de Brest, utilizando-as excelentemente para a agitação, todos estivemos de acordo com ele. Trotsky citou parte de uma conversa comigo, mas devo acrescentar que concordamos manter-nos firmes até ao ultimato dos alemães, mas cederíamos após ele. Os alemães intrujaram-nos porque de sete dias roubaram-nos cinco. A táctica de Trotsky foi correcta enquanto se destinou a ganhar tempo; tornou-se equívoca quando se declarou o fim do estado de guerra, mas não se assinou a paz. Eu tinha proposto com toda a clareza que se assinasse a paz de Brest".10
A transcrição (parte de uma intervenção extensa) é esclarecedora porque a posição assumida por Trotsky ("nem paz nem guerra"), ignorando as instruções de Lenine, levou os alemães a romper a trégua e desencadear uma ofensiva de consequências desastrosas, ocupando enormes extensões do país. Quando o Tratado de Paz foi finalmente assinado, as condições impostas foram muito mais severas do que as inicialmente apresentadas pelo Império Alemão.
Lenine criticou então duramente Trotsky. Mas não era rancoroso.
Transferiu-o do Comissariado das Relações Exteriores para o das Questões Militares. Conhecia as qualidades de organizador de Trotsky e este na sua nova tarefa teve um papel fundamental na organização do Exército Vermelho, na condução vitoriosa da Guerra Civil e na derrota da intervenção militar das potências da Entente.
Mas logo em 1920, Trotsky e Lenine divergiram profundamente durante o debate sobre os Sindicatos e a sua função na Rússia soviética, e no tocante ao monopólio do Comércio. Trotsky publicara um folheto intitulado "O papel e as tarefas dos sindicatos". Lenine submeteu as teses por ele defendidas e a posição que sobre o assunto assumira no Comité Central a uma critica duríssima [9] . Manifestou espanto perante "quantidade de erros teóricos e de evidentes inexactidões", estranhando que no âmbito de uma discussão tão importante no partido Trotsky tivesse produzido "algo tão lamentável em vez de uma exposição cuidadosamente meditada". Nessa critica alertou para divergências de fundo de ambos quanto aos "métodos de abordar as massas, de ganhar as massas, de nos vincularmos às massas".
Concluindo, Lenine, que criticou simultaneamente, com idêntica veemência as posições assumidas por Bukharine, afirmou: "As teses do camarada Trotsky são politicamente prejudiciais. A base da sua politica é a pressão burocrática sobre os sindicatos. Estou certo de que o Congresso do nosso Partido a condenará e repudiará"11.
Assim aconteceu.
Julgo útil chamar a atenção para o facto de que Lenine manteve a sua confiança em Trotsky como principal responsável pelas operações em que o Exército Vermelho estava então envolvido em múltiplas frentes.
A contradição aparente facilita a compreensão do carácter profundamente democrático da ditadura do proletariado na Rússia soviética nos anos posteriores à Revolução de Outubro.
As Revoluções Russas, a partir de 1905, forjaram gerações de revolucionários profissionais com um talento, uma criatividade, uma coragem e uma tenacidade que assombraram os Historiadores. Dificilmente se encontra um precedente para essas gerações que, aliás, tiveram continuidade na que se bateu contra o Reich nazi e o destruiu, salvando a humanidade de uma tragédia.
O estabelecimento de consensos na época revolucionária foi sempre difícil. Sem o imenso prestigio e o génio de Lenine – é a palavra adequada para o definir – eles não teriam sido possíveis, como ficou transparente nas jornadas de Brest Litowski.
Deutscher, um trotskista assumido, recorda que a estabilidade no Politburo e no CC nascia da "autoridade incontestável de Lenine e da sua capacidade de persuasão e habilidade táctica que, em geral, lhe permitiam conseguir a maioria de votos para as propostas que apresentava à medida que surgiam os problemas".12
Tinha o dom raríssimo, quando transmitia um projecto polémico a camaradas, de os levar a admitir que haviam sido eles e não ele, Lenine, que o haviam concebido. Nos cinco anos gloriosos posteriores à vitória da Revolução, Lenine foi colocado algumas vezes em minoria, perdendo na discussão de questões importantes. Submeteu-se nessas ocasiões à maioria. Assim funcionava então o centralismo democrático. Mas quase sempre os seus camaradas acabavam por reconhecer que ele estava certo.
Chamo a atenção para a importância da excepcionalidade de Lenine porque ela lhe permitiu uma colaboração harmoniosa com um feixe de revolucionários tão heterogéneo como o da sua época. Ele conseguiu que formassem uma equipa – não os poupando a severas criticas quando necessário – dirigentes como Stáline, Trotsky, Bukharine, Kamenev, Zinoviev, Preobrazhensky, Alexandra Kolontai, Dzerzhinski, Rikov, Piatakov, Tomski, Sverdlov, Lunacharski, Molotov, Kalinine, Vorochilov, Budiony, Kirov, Rakovski, Rabkrin, etc.
Essa unidade na acção e no pensamento, mesmo entre os membros da velha guarda bolchevique, desapareceu quando Lenine morreu. Sem ele, era impossível.


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Não se pode escrever algo sobre Trotsky sem citar Stáline. Incluo-me entre os comunistas, poucos, que recusam simultaneamente a glorificação ou a satanizarão de ambos.
A burguesia persiste em projectar de Stáline somente a imagem negativa, porque ao apresentá-lo como um ditador satânico facilita a criminalização da União Soviética e do comunismo como ideologia monstruosa.
Terei sido dos primeiros comunistas portugueses a criticar o dogmatismo subjectivista de Stáline num livro apreendido pela ditadura brasileira em 1968 13. Mas a minha discordância da sua postura perante o marxismo e a condenação dos seus métodos e crimes não me impedem de reconhecer que Stáline foi um revolucionário cuja contribuição para a transição do capitalismo para o socialismo na União Soviética foi decisiva. Sem a sua acção à frente do Partido e do Estado, a URSS não teria sobrevivido à agressão bárbara do Reich nazi, sem ela a pátria de Lenine não se teria transformado em poucas décadas na segunda potencia mundial, impulsionando um internacionalismo que apressou a descolonização, incentivou e defendeu revoluções no Terceiro Mundo e estimulou poderosamente a luta dos trabalhadores nos países desenvolvidos do Ocidente.
No lado oposto do quadrante, recuso também a mitificação de Trotsky.
A sua transformação em herói revolucionário, tal como a sua satanizarão como contra-revolucionário, deformam a História.
São caluniosas as acusações (nomeadamente nos Processos de Moscovo) que o apresentam como cúmplice dos projectos de Hitler para destruição da URSS.
Dotado de um talento incomum, brilhante escritor e polemista, distinguiu-se desde a juventude por uma oratória que empolgava as massas e o levou aos 25 anos à presidência do Soviete de Petrogrado durante a Revolução de 1905.
A sua adesão ao Partido Bolchevique, pouco antes da Revolução de Outubro, assinalou o início de uma viragem na sua trajectória politica e humana. Foi com o pleno apoio de Lenine que nas jornadas que precederam a insurreição de Outubro voltou a presidir ao Soviete de Petrogrado e posteriormente cumpriu tarefas da maior responsabilidade como Comissário para as Relações Exteriores e Comissário para as Questões Militares, missão que na prática fez dele o chefe do Exército Vermelho.
Mas a tentativa dos seus epígonos e de Historiadores burgueses de o guindar a "companheiro de Lenine", colocando-o ao nível do líder da Revolução, falseia grosseiramente a História.
Trotsky não foi nem o revolucionário puro que os trotskistas veneram como herói da humanidade, nem o traidor fabricado por Stáline.
Mas com o rodar dos anos o mito nascido da sua vitimização tomou forma, resistiu e sobrevive.
Enquanto Gorbatchov, que abriu caminho como secretário-geral do PCUS à destruição da URRS, tende – repito – a ser esquecido, o mito Trotsky permanece. Poucos lêem hoje os livros em que condensou o seu pensamento e escreve sobre a sua participação na História. Mas a atitude dos milhares de pessoas que anualmente visitam a casa de Coyoacan, na capital do México, onde viveu e foi assassinado, ilumina bem o enraizamento desse mito.
Não é fácil compreender o fenómeno, porque o trotskismo, como ideologia e instrumento de acção revolucionária, fracassou, não correspondendo minimamente às aspirações do seu criador14.
Admito que Trotsky não se reveria em qualquer das dezenas de partidos trotskistas que hoje em muitos países o tomam por inspirador e guia.
Serpa e Vila Nova de Gaia, Novembro de 2008
NOTAS:
1 Jean Salem, Lenine e a Revoluçao, Ed. Avante, Lisboa, 2007
2 Isaac Deutscher, Trotsky, Ed. Civlizaçao Brasileira,1968, São Paulo.
3 Leon Trotsky, Histoire de la Revolution Russe, Ed Seuil, Paris, 1950.
4 Leon Trotsky, My Life, Ed. Penguin, London, 1988
5 Leon Trotsky, La Revolución Permanente, Ed Yunque, 2ª edición, Buenos Aires, 1977
6 Isaac Deutscher, O Profeta Desarmado, Obra citada, pág 44
7 Existem traduções em diferentes línguas da Carta de Lenine ao XIII Congresso do PCUS. As diferenças entre os textos que conheço são formais, mínimas. Utilizei nas citações feitas, a tradução de Edições Avante, 1979.
8 V.I.Lenine, Textos extraídos das Obras Completas de Lenine, Ed. Estampa, Lisboa 1977, pág 260
9 Obra citada, pág 269
10 Obra citada, pág 270/271
11 Obra citada, pág 300
12 Isaac Deutscher, Obra citada, pág 88
13 Miguel Urbano Rodrigues, Opções da Revolução na América Latina, Ed. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1968
14 Ver Leon Trotsky, Revolução e Contra-revolução, Ed. Laemmert, Rio de Janeiro, 1968. Neste livro, que enfeixa ensaios redigidos em 1930 e1931, em Prinkipo, na Turquia, onde estava exilado, Trotsky, numa atitude de esquerdismo profético, identifica na crise iniciada em 1929 o prólogo de uma era de revoluções cujo desfecho seria o socialismo. Transcrevo dessa obra algumas passagens expressivas de uma teimosa fidelidade à sua concepção da "revolução permanente": a) "É muito provável que o desenvolvimento progressivo da revolução espanhola dure por um período de tempo mais ou menos longo. E, por aí, o processo histórico abre, de algum modo, um novo crédito ao comunismo espanhol". (pág.20) b) "A situação na Inglaterra pode também não, e não sem justas razões, ser considerada como pré-revolucionária, se se admitir com rigor, que entre uma situação pré-revolucionária e uma situação imediatamente revolucionária pode mediar um prazo de vários anos, período em que se produzirão fluxos e refluxos". (pág 20) c) "É inevitável e relativamente próxima uma mudança na consciência revolucionária do proletariado americano, a qual já não será mais “um fogo de palha” que se apaga facilmente, mas o inicio de um verdadeiro e grande incêndio revolucionário. (pág 24) d) A aventura iniciada pelo czar na Manchúria provocou a guerra russo-japonesa; a guerra provocou a Revolução de 1905. A aventura japonesa actual na Manchúria pode acarretar uma revolução no Japão. (pág 24) A evolução da História nesses quatro países desmentiu quase imediatamente as previsões de Trotsky.
Este artigo está no http://resistir.info/

Por que o espectro de Trotsky segue rondando o mundo? ─ Uma resposta a Miguel Urbano Rodrigues
Por Mário Maestri

Em 21 de agosto de 1940, quando Trotsky morria assassinado, o movimento que organizara pela revolução mundial e contra a burocracia stalinista bordejava o imenso buraco negro que seus opositores lhe haviam aberto. Durante a Segunda Guerra e nos anos que a sucederam, as já desmilingüidas fileiras da apenas-fundada 4ª Internacional foram quase varridas da Europa pela repressão burguesa e stalinista.
A contribuição da população soviética e do operariado comunista europeu na vitória sobre o fascismo cobriram de prestígio a direção stalinista. Em março de 1953, quando Stálin morreu, as forças contra as quais Trotsky combatera viviam verdadeiro apogeu. Multidões de populares desfilaram diante do corpo do “Pai dos Povos” enquanto jorravam elogios mundiais de acólitos. As direções stalinistas dirigiam a URSS, a China, o Leste Europeu e milhões de trabalhadores no coração e na periferia do capitalismo.
Nesse então, os poucos milhares de militantes trotskistas que continuavam denunciando políticas que apontavam como suicidarias para os trabalhadores seguiriam sendo caluniados, reprimidos, assassinados. A construção de movimento revolucionário em momento de expansão do capitalismo, sem raízes orgânicas com o grande operariado, sob o tacão do prestígio stalinista, sem dirigentes fogueados nos confrontos da primeira metade do século mostrava-se missão quase impossível.
O humilde túmulo com a foice, o martelo e o nome Trotsky, no jardim da pequena morada transformada em bunker na periferia da capital mexicana, era metáfora da agonia que vivia uma memória e um ideário que nas décadas seguintes interessariam talvez apenas a historiadores. Uma pregação que parecia destinada ao culto de grupinhos de sectários atraídos pelo calor decrescente obtido na adoração passiva de ideal que refulgira no passado.
O Homem Põe, a História Dispõe
Às portas dos setenta anos da morte de Trotsky, a história arranjou-se para que seu ideário galvanize centenas de milhares de ativistas sociais, jovens e adultos, estudantes, intelectuais e trabalhadores, enquanto que o representante das práticas que combateu, desacredito, encontre apenas raros defensores oblíquos, disfarçados e envergonhados. Singular inversão que se materializou em menos de três dramáticas décadas. Na França, as organizações trotskistas já superam o antigo poderoso PCF, sob o perigo da extinção. Em 2007, seu candidato à presidência obteve 1,93% dos votos. Na Itália, militantes inspirados no ideário de Trotsky defendem em crescente número e destaque a herança liquidada por um PCI transformado em braço do capitalismo e imperialismo.
Em artigo recente, “Apontamentos sobre Trotsky – O mito e a realidade”, Miguel Urbano Rodrigues registra a perplexidade da geração de comunistas educada sob a pesada sombra do PC Russo diante da incrivelmente “tenaz sobrevivência [...] do nome e de algumas teses” de Trotsky “no debate de idéias contemporâneo”. Miguel Urbano é velho e brilhante intelectual do pequeno e combativo Partido Comunista Português que, com reais vínculos com a diminuta classe operária lusitana, resistiu com brio à degringolada colaboracionista eurocomunista, sem realizar entretanto a catarse de heranças e práticas que contribuem para mantê-lo no isolamento relativo. Fundado em 1921, nas eleições legislativas de 2005, o PCP obteve 7,60% dos sufrágios.
O ensaio de Miguel Urbano de explicação do crescente prestígio de Trotsky e multiplicação de seus seguidores repete a tradicional pragmática stalinista, apenas depurada das suas mais esdrúxulas excrescências. A apologia de Trotsky seria obra sobretudo de “intelectuais burgueses” interessados em “combater a URSS” e a “herança da Revolução de Outubro”. O combate que lhe deu o stalinismo contribuiria também a esse reconhecimento! Como pouco se lê, pouco se reedita, pouco se publica sobre Trotsky, seu prestígio seria simples mitificação, na qual incorreriam sobretudo trotskistas em sua “maioria” “pequeno-burgueses enraivecidos” que, logo “voltam a integrar-se no sistema após uma breve militância pseudo-revolucionária”.
Se a calúnia e a repressão aos trotskistas resultassem em difusão e apoio, a Rússia seria hoje a pátria da 4ª Internacional, tamanha a sanha stalinista contra a memória do construtor do Exército Vermelho e seus seguidores na antiga URSS! Apenas no Brasil, onde são escassas as edições marxistas, entre outras obras, foram recentemente reeditadas a biografia de Isaac Deutscher [Civilização Brasileira], a Revolução permanente [Expressão Popular], a História da revolução russa [Sandermann], Literatura & Revolução [Zahar]. Movimento editorial substancialmente ainda mais dinâmico em países como a França, Itália, Espanha, Alemanha, Argentina.
A afirmação de Miguel Urbano que sobre “o homem e a [sua] obra não foram nas últimas décadas publicados livros importantes que acrescentem algo de significante aos produzidos pelos seus biógrafos, nomeadamente a trilogia do historiador” Isaac Deutscher” [1907-1967], deve-se à ignorância do jornalista que, sintomaticamente, constrói seu artigo sobretudo apoiado na obra do historiador polonês, dos anos 1950-60, sem qualquer referência à monumental biografia do historiador marxista Pierre Broué [1926-2005], de 1988, autor igualmente de, entre outros, Communistes contre Staline : Massacre d'une génération, de 2003. Esta afirmação de Miguel Urbano, como a sobre a escassa reedição de obras de Trotsky, devem-se certamente a uma espécie de cegueira seletiva.
Pro Outro Lado da Trincheira
Não há dúvidas que nos últimos anos alguns militantes de destaque mudaram-se de mala e cuia para o outro lado da trincheira, após militâncias não tão breves em organizações trotskistas. Talvez o caso mais célebre seja o ex-primeiro ministro francês Lionel Jospain, antigo militante lambertista infiltrado no Partido Socialista. No Brasil temos também algumas dezenas de semelhantes trânsfugas, que pularam a cerca para se entregarem aos doces prazeres da gestão do poder, participando gostosamente nos governos neoliberais de Lula da Silva, com destaque para Antonio Palocci, ex-ministro da Fazenda, e Luís Gushiken, também lambertistas.
Igual trajetória percorreu a imensa maioria dos dirigentes dos partidos comunistas burocratizados do Oriente e do Ocidente, que abandonou a trincheira momentos antes e sobretudo durante a maré contra-revolucionária vitoriosa dos anos 1980. Porém, nas filas stalinistas, a traição-deserção não foi fenômeno individual, mas movimento social de centenas de milhares de burocratas russos, ucranianos, poloneses, húngaros, iugoslavos, chineses, etc., que participaram ativamente do processo de restauração capitalistas e canibalização das riquezas sociais, passando a constituir um dos eixos centrais da nova classe proprietária.
Nos partidos comunistas ocidentais não foi diferente. Apenas um exemplo excelente. Massimo D’Alema, o jovem ex-dirigente do PCI, participou à cabeça do governo italiano do ataque militar imperialista ao pouco que sobrava da antiga federação iugoslava. Hoje com pouco mais de oitenta anos, Miguel Urbano certamente conheceu e conviveu com boa parte dessa direção vira-casaca, à qual negou-se a seguir, perseverando em seus compromissos.
Sempre segundo o articulista, o prestígio de Trotsky deveria-se sobretudo à mitificação sobre seu papel na Revolução Russa empreendida por ele mesmo e por autores e historiadores sobretudo trotskistas. “Duas obras do próprio Trotsky e a trilogia de Deutscher [...] funcionaram também como estímulos na fabricação do mito.” Para comprovar sua tese, dedica a maior parte de seu artigo à demonstração de que Trotsky e Lênin divergiram fortemente antes de 1917 e diversas vezes após a Revolução, com destaque para a Paz de Brest-Litovski e as polêmicas sobre os sindicatos e a Gosplan [Comitê Estatal de Planejamento].
Para o jornalista português, seria igualmente despropositada não apenas naquela literatura a apresentação de Lênin e Trotsky como os dois principais dirigentes revolucionários russos. “[...] a tentativa dos seus epígonos e de historiadores burgueses de o guindar a ‘companheiro de Lênin’, colocando-o ao nível do líder da Revolução, falseia grosseiramente a história.” Miguel Urbano denuncia portanto a “idealização de Trotsky” [revolucionário de segunda linha, em relação a Lênin], definindo-o, direta ou indiretamente, como homem “vaidoso”, “arrogante”, “orgulhoso”, “autoritário” e, segundo Lênin, “canalha”, “oportunista” e “conciliador”.
Miguel Urbano impugna a “mitificação” de Trotsky e denuncia a “diabolização” de Stálin, para ele, dirigente revolucionário de alto coturno, ao qual literalmente canoniza: “[...] revolucionário cuja contribuição para a transição do capitalismo para o socialismo na União Soviética foi decisiva. Sem a sua ação à frente do Partido e do Estado, a URSS não teria sobrevivido à agressão bárbara do Reich nazi, sem ela a pátria de Lênin não se teria transformado em poucas décadas na segunda potencia mundial, impulsionando um internacionalismo que apressou a descolonização, incentivou e defendeu revoluções no Terceiro Mundo e estimulou poderosamente a luta dos trabalhadores nos países desenvolvidos do Ocidente.”
História e Luta de Classes
A compreensão das razões pelas quais o espólio de Trotsky segue galvanizando os que combatem a opressão capitalista não se encontra no exame pontilhista de sua trajetória antes e durante a Revolução Russa, tendo como o padrão referencial absoluto um Lênin idealizado e mitificado. Lênin e Trotsky, os dois maiores dirigentes daqueles embates, divergiram forte e duramente em muitíssimas ocasiões, com destaque para os anos anteriores à Revolução. As desqualificações que voaram de um lado ao outro, entre os dois, e dos dois com boa parte dos dirigentes políticos de então, registram a dureza da discussão e vertente cultural não muito sadia da época. O prosseguimento da história terminou comprovando quem tinha razão e quem se enganara nos diversos embates e que o denominador comum entre ambos foi sempre a luta intransigente em defesa dos oprimidos.
Lênin destacou-se como o principal teórico do partido revolucionário, destacamento político e orgânico das classes trabalhadoras, em geral, e de seus segmentos industriais avançados, em especial, construído para o assalto ao poder burguês e consolidação da ordem socialista. Sua contribuição sobre o centralismo democrático e a ditadura do proletariado são fundamentais à sociologia revolucionária. Lênin foi sempre sobretudo homem de partido e de organização. A sua compreensão tardia de que apenas a revolução socialista consolidaria as conquistas democráticas na Rússia tzarista ensejou que boa parte de sua publicística anterior a 1917 seja de difícil leitura e compreensão, exigindo comumente uma complexa contextualização histórica.
A história demonstrou que Trotsky não avaliou corretamente a importância do partido no assalto ao poder. Sua convergência com os bolcheviques constituiu também autocrítica nesse relativo. A seguir, abraçaria explicitamente as contribuições de Lênin quanto à organização partidária. Sua incompreensão parece ter nascido igualmente da forma de entender a sociedade. Na sua ação e interpretação dos fenômenos sociais, enfatizou sempre o movimento das massas trabalhadoras. Para ele, a revolução foi sempre processo de construção das condições objetivas e subjetivos de poder no seio das massas exploradas. Visão que contribuiu poderosamente para sua definição precoce e pioneira do caráter socialista da revolução russa.
Na mais pura tradição marxiana, Trotsky não via saúde social e política fora da materialidade das classes trabalhadoras em movimento. A visão leninista da revolução abraçava esse princípio, sem a mesma ênfase e a mesma sensibilidade. Porém, se a visão leninista da revolução enfatizava a organização partidária, a própria esquerda stalinista obliterou fortemente o caráter determinante do movimento vivo dos trabalhadores e a necessidade de sua expressão plena nos aparatos partidários e jamais substituição pelos mesmos. Na interpretação de Miguel Urbano não há aceno aos fluxos e refluxos da revolução mundial no século 20, que enquadraram-determinaram os fatos que analisa.
O Princípio e o Fim
Olvidando o movimento vivo das classes como o alfa & ômega da história, Miguel Urbano eleva Lênin – e com ele o partido – à figura de perfeição lapidar, transformando-o em verdadeiro deus ex-machina da história. Para ele, Vladimir Ulich era “genial”, “excepcional”, “habilidoso”, a tal ponto possuidor das qualidades revolucionárias que seria impossível pensar a unidade partidária sem ele. “Essa unidade na ação e no pensamento, mesmo entre os membros da velha guarda bolchevique, desapareceu quando Lênin morreu. Sem ele, era impossível.” Proposta de inexorável divisão dos bolcheviques, pois Lênin, ser humano, cedo ou tarde, morreria. Substituição dos trabalhadores na construção da história, por protagonistas magníficos, registrada já na proposta de que sem Stálin a “URSS não teria sobrevivido à agressão” nazista e se transformado “em poucas décadas na segunda potencia mundial”.
Trotsky foi dirigente revolucionário de destaque, como Lênin, sendo até a conclusão da revolução de 1917 mais conhecido do que o último no exterior. Não foi por azares da sorte que presidiu o soviet de Petrogrado, na Revolução de 1905 e de 1917. Apesar dos ataques incessantes stalinistas, sua posição referencial deve-se também a outros fenômenos, entre eles, à sua indiscutível habilidade como teórico, orador e escritor, que lhe permitiu socializar maciçamente, sob a forma de obras teóricas e históricas magistrais, a memória da Revolução Russa. A excelência de seu 1905: balanço e perspectivas, escrito inicialmente em 1906, quando tinha 26 anos, registrava já as qualidades que lhe permitiram produzir trabalhos da dimensão de A história da Revolução Russa [1930-32], obra referencial sobre 1917, na tradição das monumentais histórias da Revolução Francesa de Jules Michelet [1798-1874] e Kropotkine [1842-1921]. Devido a sua morte prematura e características individuais, Lênin não deixou obras semelhante, capazes de serem lidas à margem de esforço militante ou acadêmico.
A atualidade de León Trotsky deveu-se sobretudo à sua compreensão precoce dos perigos e das raízes sociais da burocracia na URSS, vetor da expropriação da direção política da URSS aos trabalhadores. Realidade intuída tardiamente por Lênin, nos meses e semanas anteriores ao seu falecimento. A carta de Lênin de dezembro de 1922 é incorretamente apresentada como “testamento”, pois ele jamais deixou documento de tal caráter, ao possivelmente não acreditar-se tão próximo do fim. Seu rompimento final com Stálin deu-se devido ao modo inaceitável com que tratara Natália Krupskaya [1869-1939], importante dirigente bolchevique e sua esposa. Lênin possivelmente acreditava que continuaria ainda por algum tempo arbitrando as fricções no partido, das quais não avaliou plenamente a gravidade e o sentido social.
Grande parte da produção teórica de Trotsky deu-se no contexto do combate à burocratização da URSS, nos momentos e sobretudo após a morte de Lênin. É dolorosa a leitura atual do ensaio Novo Curso, de 1923, devido à sua extrema lucidez sobre as raízes e os malefícios da perda da direção da URSS pelo proletariado, deslocado pelo aparato burocrático. Fenômeno que passou a exigir revolução política que devolvesse o poder aos trabalhadores em Estado em que a propriedade já fora expropriada. Um ensaio que ampliava a visão de Lênin do partido, ao reafirmar que sua essência dependia da capacidade de organizar e expressar as grandes massas trabalhadoras em geral e o moderno proletariado industrial em especial. Entre outros trabalhos, a crítica de Trotsky à burocratização da URSS foi ampliada em A revolução traída, de 1935, reeditada em português, em 2008, pela Centauro, que acaba de publicar igualmente A revolução desfigurada.
A Cola da Burguesia
A longa pregação sobre a necessária revolução social no Ocidente e política no Oriente constitui certamente a grande razão do crescente renascimento do interesse sobre Trotsky, quando da dolorosa concretização de seus terríveis prognósticos sobre a destruição dos Estados de economia nacionalizada e planejada, enfraquecidos pela ditadura de burocracias parasitárias. Devido à atualidade desse ideário, a burocracia soviética da era Gorbachiov reabilitou praticamente todos os bolcheviques perseguidos e assassinados pela direção stalinista, à exceção de León Trotsky e seus mais próximos seguidores, pois seguiam apontando para a necessidade da devolução plena do poder aos órgãos soviéticos, como única forma de barrar o caminho à vitória da contra-revolução e ao restabelecimento do capitalismo.
Uma terceira grande razão da atualidade de Trotsky foi sua mobilização permanente pela independência do mundo operário; sua denúncia da submissão dos trabalhadores aos setores ditos progressistas da burguesia [frente popular]; sua oposição visceral à proposta de superação gradual da ordem burguesa sem a destruição de seu Estado. Políticas transformadas em práticas oficiais dos partidos comunistas, devido às necessidades diplomáticas egoístas e imediatistas da direção soviética burocratizada. Propostas que ensejaram derrotas históricas ao movimento revolucionário na Alemanha, França, Espanha, Itália, Brasil, etc. e, nas últimas décadas, a dissolução e metamorfose dos partidos comunistas em agentes do grande capital e do imperialismo. Uma pregação e um ideário plenamente vigentes nos atuais e difíceis dias que vivemos.
A recuperação do stalinismo e de Stálin realizada por Miguel Urbano sequer necessita resposta. O literal massacre físico de praticamente toda a geração bolchevique dirigente de 1917, com destaque para o Comitê Central de Lênin; o descrédito em que lançou a idéia do socialismo e do comunismo; o descalabro a que a URSS foi exposta, no início da II Guerra, pela purga de dezenas de milhares oficiais soviéticos e confiança depositada na paz pactuada o nazismo; os malefícios da coletivização forçada dos campos; a traição à revolução espanhola, balcânica, européia, etc.; a redução do movimento comunista a simples cola das burguesias ditas democráticas; a expropriação do poder aos trabalhadores nos países operários, etc. foram políticas que levaram à destruição das conquistas de 1917, quando o dinamismo da nacionalização e planejamento da produção não conseguiu mais se sobrepor ao peso do parasitismo nacional-burocrático, como já sugerira Trotsky desde 1923!
O trotskismo constitui apenas a última extensão orgânica por um grande teórico e dirigente revolucionário dos ensinamentos acumulado na primeira metade do século 20. Nesse sentido, o ideário de León Trotsky constitui essencialmente uma valiosa ampliação das idéias e lutas de Marx, Engels, Rosa Luxemburgo, Karl Liebknecht, Lênin, Gramsci, etc., em uma nova e difícil conjuntura histórica. Sobretudo com a crise e dissolução das propostas políticas stalinistas, maoístas, titoístas, foquistas, torna-se de certo modo desnecessário o qualificativo trotskista, inventado originalmente pelos stalinistas, ao constituir um certo entrave à necessária reunificação dos comunistas revolucionários em um movimento mundial pela reconstrução da sociedade centrada nos valores, práticas e ações revolucionárias e democráticas do mundo do trabalho.

Mário Maestri, 60, é historiador.
Consciencia.net - www.consciencia.net - Dezembro 25, 2008RODRIGUES, Miguel Urbano. “Apontamentos sobre Trotsky – O mito e a realidade”. 11/2008. http://resistir.info/mur/apontamentos_trotsky.html
 
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