Pérola

"Nós entendemos que Israel tem o direito de se defender pois nesses últimos anos o Hamas lançou diversos foguetes na região"
Barack Obama

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Vandré

De todas as mortes que carrego,
marcadas em minha alma feito cicatrizes,
de todos os crimes da ditadura
um me dói de forma especial.

Não é a multidão de mortos
com seus corpos dilacerados.
Não são os ossos perdidos
que buscam por seus nomes.

Não é o tiro
o choque
o murro.

É o poema que não foi feito,
a música inacabada,
aquela melodia presa na mente
soterrada pelo medo.

Os dedos inúteis longe das cordas,
o acorde que nunca foi desperto,
os olhos secos das lágrimas justas,
a voz calada.
Que requinte mas perverso de crueldade:
matar alguém e deixar seu corpo vivo
como testemunha da morte inacabada.
Mauro Iasi

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Orientação

menos que retratar:
fazer do verbo a bússola
para o amanhã

menos que chorar:
a-r-marem gestos e palavras
o braço que é trocado
por cifrões


não mais murmúrios
de ventos noturnos:
agora é o grito claro
despertando o sol de amor
por sabres dilacerado
antes mesmo da aurora

não mais a doce esperança
ingênua como criança:
hoje vale a certeza
do árduo caminho à frente
(berço de mil ciladas)
a ser trilhado levando
a verdade feita tocha, canção, faca
com gosto de madrugada.

Mário Jorge

Aula de Vôo



Aula de Vôo

O conhecimento
caminha lento feito lagarta.
Primeiro não sabe que sabe
e voraz contenta-se com cotidiano orvalho
deixado nas folhas vividas das manhãs.

Depois pensa que sabe
e se fecha em si mesmo:
faz muralhas,
cava Trincheiras,
ergue barricadas.
Defendendo o que pensa saber
levanta certeza na forma de muro,
orgulha-se de seu casulo.

Até que maduro
explode em vôos
rindo do tempo que imagina saber
ou guardava preso o que sabia.
Voa alto sua ousadia
reconhecendo o suor dos séculos
no orvalho de cada dia.

Mas o vôo mais belo
descobre um dia não ser eterno.
É tempo de acasalar:
voltar à terra com seus ovos
à espera de novas e prosaicas lagartas.

O conhecimento é assim:
ri de si mesmo
E de suas certezas.
É meta de forma
metamorfose
movimento
fluir do tempo
que tanto cria como arrasa

a nos mostrar que para o vôo
é preciso tanto o casulo
como a asa


Mauro Iasi

terça-feira, 7 de agosto de 2007

O sertão


"O sabiá no sertão

Quando canta me comove

Passa três meses cantando

E sem cantar passa nove

Porque tem a obrigação

De só cantar quando chove"


Zé Bernardinho

OS OMBROS SUPORTAM O MUNDO


Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.


Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,
mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.


Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundo
e ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifícios
provam apenas que a vida prossegue
e nem todos se libertaram ainda.
Alguns, achando bárbaro o espetáculo
prefeririam (os delicados) morrer.
Chegou um tempo em que não adianta morrer.
Chegou um tempo em que a vida é uma ordem.
A vida apenas, sem mistificação.

Carlos Drummond

Guerreiro


"No caminho do guerreiro, cabe a você discernir o que foi tecido pelos fios divinos e o que foi tecido pelos fios humanos. Quando você principia a discernir, você se torna um Txucarramãe - um guerreiro sem armas. Porque os fios tecidos pela mão do humano formam pedaços vivificados pelo seu espírito. Essa mão gera todos os tipos de criação. Muitas coisas fazem parte de você para se defender do mundo externo, geradas pela sua própria mão e pelo seu pensamento. Quando você descobre o que tem feito da sua vida e como é sua dança no mundo, desapega-se aos poucos das armas, que são criações feitas para matar criações. De repente, descobre-se que, quando paramos de criar o inimigo, extingue-se a necessidade das armas.”(Kaká Werá Jecupé)

Encerramento da carta redigida no 5º Congresso Nacional do MST


Conclamamos o povo brasileiro para que se organize e lute por uma sociedade justa e igualitária, que somente será possível com a mobilização de todo o povo. As grandes transformações são sempre obra do povo organizado. E, nós do MST, nos comprometemos a jamais esmorecer e lutar sempre.Reforma agrária: Por Justiça Social e Soberania Popular!

Brasília, 16 de junho de 2007

As palavras


O que amo em minha loucura

é que ela me protegeu, desde o primeiro dia,

contra as seduções da ''elite'':

nunca me julguei feliz proprietário de um ''talento'':

minha única preocupação era salvar-me

-- nada nas mãos, nada nos bolsos --

pelo trabalho e pela fé.

Desta feita, minha pura opção não me elevava acima de ninguém:

sem equipamento, sem instrumental,

lancei-me por inteiro à ação para salvar-me por inteiro.

Se guardo a impossível Salvação na loja dos acessórios, o que resta?

Todo homem, feito de todos os homens,

que os vale todos e a quem vale não importa quem.

Memórias - Jean Paul Sartre

Viajar


Viajar?

Para viajar basta existir.

Vou de dia para dia, como de estação

para estação, no comboio do meu corpo,

ou do meu destino,

debruçado sobre as ruas e as praças,

sobre os gestos e os rostos,

sempre iguais e sempre diferentes,

como,afinal, as paisagens são.

Se imagino, vejo.

Que mais faço eu se viajo?

Só a fraqueza extrema da imaginação

justifica que se tenha que deslocar para sentir.

"Qualquer estrada, esta mesma estrada de Entepfuhl,

te levará até ao fim do mundo".

Mas o fim do mundo,

desde que o mundo se consumou dando-lhe a volta,

é o mesmo Entepfuhl de onde se partiu.

Na realidade, o fim do mundo,

como o principio, é o nosso conceito do mundo.

É em nós que as paisagens tem paisagem.

Por isso, se as imagino, as crio;

se as crio, são; se são, vejo-as como ás outras.

Para que viajar? Em Madrid,em Berlim,

na Pérsia, na China, nos Pólos ambos,

onde estaria eu senão em mim mesmo,

e no tipo e gênero das minhas sensações?

A vida é o que fazemos dela.

As viagens são os viajantes.

O que vemos, não é o que vemos,

senão o que somos.


Fernando Pessoa

Fernando Pessoa


Há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas ...

Que já têm a forma do nosso corpo ...

E esquecer os nossos caminhos

que nos levam sempre aosmesmos lugares ...

É o tempo da travessia ...

E se não ousarmos fazê-la ...

Teremos ficado ...

para sempre ...

À margem de nós mesmos..."

 
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