Pérola

"Nós entendemos que Israel tem o direito de se defender pois nesses últimos anos o Hamas lançou diversos foguetes na região"
Barack Obama

sábado, 30 de junho de 2007

Santos


Santos: é no Brasil, e faz já quatro vezes dez anos.
Alguém ao meu lado conversa "Pelé é um super-homem",
"não sou um aficcionado, mas na televisão eu gosto".
Antes era selvático este ponto
e cheirava como uma axila do Brasil caloroso.
É um barco, e é outro, mil barcos!
Agora os frigoríficos estabeleceram catedrais de belo cinza,
e parecem jogos de dados de deuses os brancos edifícios.
Quantos grãos de café, quantas gotas salobres de suor?
Talvez o mar se encheria, mas a terra não,
nunca a terra, nunca satisfeita, faminta sempre de café,
sedenta de suor negro!Terra maldita,
espero que arrebentes um dia, de alimentos,
de sacos mastigados e de eterno suor de homens
que já morreram e foram substituídos para continuar suando.


Pablo Neruda

Desbarato


O desbarato mais absurdo
não é o dos bens de consumo,
mas o da humanidade:
milhões e milhões de seres humanos
nasceram para ser trucidados pela História,
milhões e milhões de pessoas
que não possuíam mais do que as suas simples vidas.
De pouco ela lhes iria servir,
mas nunca faltou quem de tais miudezas
se tivesse sabido aproveitar.
A fraqueza alimenta a força,
para que a força esmague a fraqueza.
José Saramago

Ei-los em pé

O que vocês esperavam que acontecesse quando tiraram a mordaça que tapava essas bocas negras?Esperavam que elas lhes lançassem louvores? E essas cabeças que seus avós e seus pais haviam dobrado à força até o chão?O que esperavam? Que se reerguessem com adoração nos olhos?Ei-los em pé. Homens que nos olham. Ei-los em pé. Faço votos para que vocês sintam como eu a comoção de ser visto.Hoje, esses homens pretos nos miram e nosso olhar re-entra em nossos olhos. Tochas negras iluminam o mundo e nossas cabeças brancas não passam depequenas luminárias balançadas pelo vento.
Jean-Paul Sartre

Prossigamos


Toda via prossigamos!

Seja de que maneira for!

Saiamos a campo para a luta, lutemos, então!

Não vimos já como a crença removeu montanhas?

Não basta então termos descoberto

que alguma coisa está sendo ocultada?

Essa cortina que nos aculta isto e aquilo,

é preciso arrancá-la!


Bertolt Brecht

Haiti






Quando você for convidado pra subir no adro

Da fundação casa de Jorge Amado
Pra ver do alto a fila de soldados, quase todos pretos

Dando porrada na nuca de malandros pretos

De ladrões mulatos e outros quase brancos

Tratados como pretosSó pra mostrar aos outros quase pretos(E são quase todos pretos)

E aos quase brancos pobres como pretos

Como é que pretos, pobres e mulatos

E quase brancos quase pretos de tão pobres são tratados

E não importa se os olhos do mundo inteiro

Possam estar por um momento voltados para o largo

Onde os escravos eram castigados

E hoje um batuque um batuque

Com a pureza de meninos uniformizados de escola secundária

Em dia de parada

E a grandeza épica de um povo em formação

Nos atrai, nos deslumbra e estimula

Não importa nada:

Nem o traço do sobrado

Nem a lente do fantástico,

Nem o disco de Paul Simon

Ninguém, ninguém é cidadão

Se você for a festa do pelô, e se você não for

Pense no Haiti, reze pelo Haiti

O Haiti é aqui

O Haiti não é aqui

E na TV se você vir um deputado em pânico mal dissimulado

Diante de qualquer, mas qualquer mesmo, qualquer, qualquer

Plano de educação que pareça fácil

Que pareça fácil e rápido

E vá representar uma ameaça de democratização
Do ensino do primeiro grau

E se esse mesmo deputado defender

a adoção da pena capital

E o venerável cardeal disser

que vê tanto espírito no feto

E nenhum no marginal

E se, ao furar o sinal, o velho sinal vermelho habitual

Notar um homem mijando na esquina da rua sobre um saco

Brilhante de lixo do Leblon

E quando ouvir o silêncio sorridente de São Paulo

Diante da chacina111 presos indefesos, mas presos são quase todos pretos

Ou quase pretos, ou quase brancos quase pretos de tão pobres

E pobres são como podres e todos sabem como se tratam os pretos

E quando você for dar uma volta no Caribe

E quando for trepar sem camisinha
E apresentar sua participação inteligente no bloqueio a Cuba

Pense no Haiti,

reze pelo Haiti

O Haiti é aqui

O Haiti não é aqui



Caetano Veloso e Gilberto Gil

sábado, 9 de junho de 2007

Eu aqui me despeço


Eu me despeço.

Volto à minha casa, em meus sonhos.

Volto à Patagônia, aonde o vento golpeia os estábulos e salpica de frescor o Oceano.

Sou nada mais que um poeta: amo a todos, ando errante pelo mundo que amo.

Em minha pátria, prende-se mineiros e os soldados mandam mais que os juízes.

Entretanto, amo até mesmo as raízes de meu pequeno país frio.

Se tivesse que morrer mil vezes, ali quero morrer.

Se tivesse que nascer mil vezes, ali quero nascer.

Perto da araucária selvagem, do vendaval que vem do sul,

das campanas recém compradas.

Que ninguém pense em mim.

Pensemos em toda a terra, golpeando com amor a mesa.

Não quero que volte o sangue... a molhar o pão, os feijões, a música:

quero que venha comigo o mineiro, a criança, o advogado, o marinheiro, o fabricante de bonecas.

Que entremos no cinema e bebamos o vinho mais tinto.

Eu não vim para resolver nada.

Vim aqui para cantar e quero que cantes comigo.


Pablo Neruda

terça-feira, 5 de junho de 2007

Patria Minha




A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar;
uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha Brasil, talvez

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes

Confissão


Não amei bastante meu semelhante,
não catei o verme nem curei a sarna.
Só proferi algumas palavras,
melodiosas,tarde, ao voltar da festa.


Dei sem dar e beijei sem beijo.
(Cego é talvez quem esconde os olhos
embaixo do catre.) E na meia-luz
tesouros fanam-se, os mais excelentes.


Do que restou, como compor um homem
e tudo que ele implica de suave,
de concordâncias vegetais, murmúrios
de riso, entrega, amor e piedade?


Não amei bastante sequer a mim mesmo,
contudo próximo. Não amei ninguém.
Salvo aquele pássaro – vinha azul e doido –
que se esfacelou na asa do avião.


Carlos Drummond de Andrade

domingo, 3 de junho de 2007

Nós, Latino-americanos


Somos todos irmãos
Mas não porque tenhamos
a mesma mãe e o mesmo pai:
temos é o mesmo parceiro que nos trai.
Somos todos irmãos
Não porque dividamos
O mesmo teto e a mesma mesa:
Dividamos a mesma espada
Sobre nossa cabeça.
Somos todos irmãos
Não porque tenhamos
O mesmo berço, o mesmo sobrenome:
Temos um mesmo trajeto
De sanha e fome.
Somos todos irmãos
Não porque seja o mesmo o sangue
Que no corpo levamos:
O que é o mesmo é o modo
Como o derramamos.
Ferreira Gullar

Mário Quintana


Olho em redor do bar em que escrevo estas linhas. Aquele homem ali no balcão, caninha após caninha, nem desconfia que se acha conosco desde o início das eras. Pensa que está somente afogando problemas dele, João Silva… Ele está é bebendo a milenar inquietação do mundo!”
 
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